No caso da Jovem Homossexual relatado por Freud (1920/1980)[1] e comentado por Lacan nos Seminários4[2] e 10[3], o amor ao pai e o amor à dama tem lugar privilegiado na leitura dos movimentos desse ser falante,no modo singular de eleição de um objeto de amor, no remanejamento dos elementos na lógica fálica, na identificação ao pai e no modo como amor, desejo e gozo se articulam.  Pelos efeitos, presume-se que tanto o pai como a dama funcionavam como suporte de uma posição subjetiva enigmática (LACAN, 1956-57/1995, p.136) da jovem. A frustração de uma fantasia infantil (esperar receber um filho do pai) produziu um efeito surpreendente, uma inversão do objeto de amor que regrediu à identificação e o deslocamento do investimento de amor para a dama.  Esse arranjo durou algum tempo, pois a privação vivenciada pela jovem diante da recusa da dama em sustentar a cena, fez com que ela não pudesse mais contar com esses recursos imaginários e simbólicos diante do real, o que a teria levado a se jogar em um vazio, numa ponte suspensa sobre a linha férrea, episódio decisivo para seu pai levá-la a Freud.   Com os recursos da época, Lacan (idem, p. 150) interpretou esse episódio a partir da lógica fálica, como uma privação definitiva do objeto. Com isso, privilegiou a palavra niederkommt que remete à queda, parto (uma maneira demonstrativa de se fazer ela mesma a criança que não teve, o falo que lhe foi recusado). Concluiu, dizendo que “o único motor de sua perversão (…) é um amor estável e, particularmente, reforçado pelo pai”. (idem, p. 150).

Perguntamos: Qual é a função do amor à dama, a quem a Jovem se devota de um modo que evoca o amor cortês? Que lugar para amor, desejo e gozo, neste caso, situado por Lacan como um caso de perversão, entre aspas? A título de hipótese, admitimos, com Lacan, que o caso está estruturado a partir do amor ao pai, logo, organiza em torno do falo, dando lugar, a partir de um determinado ponto, a uma “relação perversa”.

Isso equivale a indagar qual a função do amor cortês para a jovem. De acordo com Lacan (LACAN, 1973-74)[4], no amor cortês, o imaginário assume um papel central, é o meio que liga a morte (real) e o gozo suportado na palavra (simbólico), tendo, portanto, sua função de enodamento destacada.

No caso da Jovem Homossexual, o amor tem função de enodamento. Num primeiro momento, vimos que essa função se apoia fundamentalmente no nome-do-pai enquanto elo capaz de nomear e amarrar os registros. É porque faliciza o não ter que a Jovem parece buscar, via Complexo de Édipo, o que não tem. Um elemento imaginário entra, assim, em uma dialética simbólica, enquanto ela se introduz na dimensão do amor. Na primeira apresentação do esquema L, o sujeito se constitui, sem o saber, na posição de mãe imaginária, que tem no lugar do grande Outro o pai simbólico, aquele que responde pelo enigma de sua existência. No imaginário, encontra-se privada do pênis e se dirige a um objeto, a criança a ser recebida do pai, de acordo com uma solução clássica para o Édipo. Esse arranjo tem no pai a presença fundamental, que conjuga desejo e lei.

O surgimento da criança real oferecida à mãe rompe o arranjo. Na segunda disposição dos termos no esquema L, o sujeito se encontra como criança que no eixo simbólico está referida ao pênis simbólico, segundo Lacan, glorificado no lugar do Outro. O pênis simbólico é aquilo que está no amor, em seu plano mais elaborado, para além do sujeito amado, por isso glorificado. Já no eixo imaginário encontram-se agora a jovem identificada ao pai imaginário, aquele que teria para dar, em um polo e, em outro, a dama, aquela que não tem, a quem ela se endereça. Nessa nova disposição, a garantia suprema de que a lei é o desejo do pai absolutiza o falo.

Ela faz de sua castração de mulher o que o cavaleiro faz à dama: sacrifica suas prerrogativas viris, o que leva Lacan a evocar o amor cortês. Em sua devoção à dama, ela “se coloca no que não tem, o falo, e para mostrar que o tem, ela o dá”, comportando-se, segundo Lacan, como um homem que pode sacrificar o que tem.

Lacan afirma que sua reação de tomar a dama como objeto de um amor cortês, sacrificando seus atributos viris (imaginários), mantém, ela própria, através da identificação imaginária ao pai, como “o suporte do que faltava no campo do Outro” (LACAN, 1962-63, p.124). Lacan esclarece que ela se faz a suprema garantia de que a lei é o desejo do pai, “de que existe uma glória do pai, um falo absoluto” (idem).  Lacan chega a afirmar que sua vingança ao pai é a própria lei paterna. Faz do falo um absoluto. Entendemos que essa referência ao falo como absoluto, o grande phiΦ, refere-se à lei que abriga seu desejo, aquela que referencia a falta do sujeito como passível de ser satisfeita pelo pai. E é no lugar do pai que ela ama a Dama como aquela que pode receber o falo.

O encontro com o olhar do pai, com o real, disjunta desejo e lei, trazendo para o centro do nó o real, meio de ligação que franqueia a passagem ao real da função do objeto a, com o qual ela se identificará na tentativa de suicídio. Na cena com o pai, o desejo entra em confronto com a lei do pai que a recrimina, promovendo uma disjunção, que não se confunde com o desencadeamento que romperia os elos. Essa disjunção desmonta o imaginário do amor cortês e acarreta que função do objeto a, entre os três registros, fique confinada ao real, passe ao real. Como, então, conceber topologicamente a disjunção que não é um desenlace?

[1] Freud, S. A psicogênese de um Caso de Homossexualismo numa mulher (1920)   EM: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1980.

[2] Lacan, J. O Seminário livro 4. A relação de Objeto. (1956-57). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1995.

[3] Lacan, J. O Seminário livro 10. A Angustia(1962-63). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2005

[4] Lacan, J. O Seminário livro 21. Lés non-dupeserrent(1973-1974) (inédito).Aula de 18.12.1973.