Luciane C. Stern

O texto abaixo surgiu a partir de algumas reflexões e discussões realizadas no Núcleo de Pesquisa: “A criança no discurso analítico” – Curumim. Agradeço as coordenadoras e a todos os componentes as contribuições enriquecedoras.

Na adolescência o sujeito sai do universo simbólico da família e se abre ao mundo. A adolescência é um momento de escansão, de abertura da infância para um novo campo de possibilidades. Imputa-se ao adolescente encontrar um novo lugar na sociedade, um novo traçado para a sua existência e uma nova diretriz em relação aos seus objetos amorosos. Cada adolescente deve buscar uma causa que dê sentido a sua existência, conciliando com os impasses do seu desejo.

Inaugurando distâncias e proximidades possíveis entre o eu e o outro, o adolescente é convidado a circunscrever novos lugares. Enfim, cabe ao adolescente encontrar o seu jeito de estar na vida.  Uma vida que vá além das antigas fronteiras.

Ao encarar o desconhecido, o adolescente utiliza-se do que tem à sua disposição, que são suas experiências infantis. Estas são retomadas num contexto modificado, fornecendo-nos, no entanto, indícios de como o sujeito adolescente buscará a satisfação adequada às novas exigências – momento propício para que velhas questões do sujeito apareçam de forma intensa, causando as crises adolescentes.

Metamorfoses anatômicas e fisiológicas acontecem com a chegada da puberdade. Essas transformações que operam no corpo dos adolescentes, à sua revelia, não os deixam impunes. Nesse momento de transição, os adolescentes são chamados a fazerem uma distinção fundamental na esfera sexual, e se perguntam sobre a diferença entre o que é ser um homem e o que é ser uma mulher. Os referenciais identificatórios do sujeito são colocados à prova e o narcisismo se reconfigura.

Na infância não havia essa distinção significante, na medida em que, entre os meninos e as meninas, havia somente uma identidade possível – ambos eram o falo – a identificação com o mais fundamental dos símbolos.

A criança não tem à sua disposição o ato, ficando em suspenso a solução do seu drama fálico. Já na adolescência, com o ato a seu dispor, o adolescente passa a se perguntar: o que fazer a partir dessa nova posição com o outro sexo? Esse é o novo que se introduz na adolescência, quando o gozo sexual se destaca do corpo, das satisfações sexuais da infância e dos objetos pulsionais autoeróticos, para se introduzir na relação entre os dois sexos.

Entra em cena um novo estatuto de objeto que permitirá ao adolescente encontrar um objeto no exterior, um objeto que não seja mais o objeto edipiano do passado. O adolescente resultará de uma desidentificação com a imagem infantil, ao apresentar-se como homem ou mulher a seu modo singular.

Para a teoria lacaniana, o adolescente é aquele que passa da posição infantil de desejado ou não desejado para a posição de desejante. Assumir a posição de desejante equivale a assumir a posição de falta de a, como menos a. A falta-a-ser é tocada. Se o adolescente se assume como desejante, assume-se também como falta de objeto.

O encontro com o outro sexo impõe ao sujeito a constatação de que não há relação sexual. E o encontro com o real da não relação sexual impõe ao sujeito uma virada subjetiva, pois por mais prazeroso que possa a ser o encontro com o outro sexo, ele será sempre um encontro faltoso, insatisfatório, que deixará um resto inassimilável para o sujeito.

O adolescente estará frente à impossibilidade de complementaridade entre ele e o Outro. Nem ele pode completar o Outro, nem o Outro pode vir a completá-lo, não há totalidade possível. Não há a sua cara metade, a outra metade da laranja, a tampa da panelinha. Há o mal-estar próprio do desencontro com o sexo, com a quebra da ilusão de que a falta pode ser preenchida.

Ao sujeito adolescente caberá assumir sua castração e seus efeitos, deixando cair um imperativo idealizado. A subjetivação da castração exige a renúncia da expectativa de um gozo suposto absoluto, as satisfações serão sempre parciais.

É na ruptura, no hiato, no que há de indeterminado, que irá irromper o desejo. Jacques Lacan, no Seminário 6, “O desejo e sua Interpretação”, Zahar Ed. R.J. 2016, aborda a questão do objeto do desejo via significante, mas, também, o faz pelo viés da relação ao objeto.

Em seu famoso grafo, o desejo, além do fator metonímico de falta-a–ser, implica o objeto, o objeto da fantasia. O desejo se fixa numa fantasia e não a um objeto, pois, como já foi dito, não há relação complementar. Assim, o objeto vem a se colocar naquilo que falta pela via do significante.

Lacan postula que o sujeito não goza do corpo do Outro, que só há gozo do corpo próprio ou gozo de sua fantasia. O eros humano filia-se numa relação com uma imagem que não é outra coisa, senão a imagem do corpo próprio. É o narcisismo que oferece ao sujeito o suporte, a via de solução para o problema do desejo.

No texto “A direção do tratamento” (In: Escritos. Jorge Zahar Ed., 1998, pp. 636-639, R.J), Lacan fala sobre a função do significante falo na busca do desejo e exemplifica a estrutura do desejo com um fragmento clínico. Trata-se de um senhor de idade madura que se vê impotente frente a amante. Este exemplo apesar de não ser de um sujeito adolescente, nos é muito útil para pensarmos também as travessias da adolescência.

“…Em síntese, ele é impotente com a amante e, pensando em se valer de suas descobertas sobre a função do terceiro potencial no casal, propõe-lhe que ela durma com outro homem, para ver no que dá”.

“… Não há de surpreender que (a amante), sem delongas, ou seja, na mesma noite, tem o seguinte sonho, que relata incontinenti ao despeitado: “Ela tem um falo e sente-lhe a forma sob suas roupas, o que não a impede de ter também uma vagina e, acima de tudo, de desejar que esse falo a penetre”.

“Nosso paciente, ao ouvir isso, recupera no ato seus recursos e o demonstra brilhantemente à sua sagaz companheira”.

Lacan se questiona qual interpretação isso indica, pois a sonhadora não é complacente com o amante, não atende ao seu pedido e afasta de seu roteiro qualquer coadjuvante. Lacan não analisa o sonho da amante, mas o efeito dele no seu paciente.

Para Lacan a verdade embutida no sonho é: “que a recusa da castração, se há algo que com ela se pareça, é, antes de tudo, uma recusa da castração do Outro (da mãe, em primeiro lugar)”. “…Que o desejo inconsciente é o desejo do Outro – uma vez que o sonho é feito para satisfazer o desejo do paciente para – além de sua demanda, como é sugerido pelo fato de ele ter sucesso (frente sua impotência)”.

“… Essa é a ocasião de fazer o paciente apreender a função de significante que o falo tem em seu desejo. Pois é como tal que o falo opera no sonho, para fazê-lo recuperar o uso do órgão que ele representa.” “… liberando o seu desejo antes aprisionado”.

Não bastou a amante o fato de ter tido o sonho, há o fato de ela ter lhe contado. Nesse discurso ela se apresenta como tendo um falo, mas não é por isso que lhe é restituído seu valor erótico. Como diz Lacan: “ter um falo não basta para lhe restituir uma posição de objeto que a aproprie a uma fantasia a partir da qual nosso paciente, como obsessivo, possa manter seu desejo num impossível que preserve suas condições de metonímia. Estas regem, em suas escolhas, um jogo de evasão que a análise perturbou, mas que a mulher restaura, aqui, por uma astúcia cuja rudeza oculta um refinamento que é a conta certa para ilustrar a ciência inclusa no inconsciente”.

“…Isso porque, para nosso paciente, de nada serve ter esse falo, já que seu desejo é sê-lo. E o desejo da mulher, aqui, cede-o ao seu, mostrando-lhe o que ela não tem”.

Ou seja, a amante apresentou-se no sonho como convém: com a vagina, o falo e com o desejo de que esse falo a penetrasse, o que é da ordem do impossível. A amante fez, assim, aparecer sua própria falta-a-ser, revelando por meio do sonho que ter esse falo não fez com que desejasse menos nosso paciente. Pelo contrário, realizou com isso um apelo ao Outro enquanto presença sobre um fundo de ausência.

O paciente entendeu a mensagem e a convocação revelada pela amante por intermédio do sonho.  A amante se produziu como objeto, no lugar de mulher, restaurando no paciente, de modo imediato, a potência abalada.

É importante ressaltar que nesse jogo amoroso, nossa sonhadora deu, ainda, outra garantia de peso ao nosso paciente – já que ela tinha um falo, não precisava tomar o dele. Mostrar esse signo como tal, fazendo-o aparecer ali onde ele não pode estar, fez com que esse signo adquirisse seu valor e seu efeito. Essa foi uma garantia forte que não foi desprezada.

“…Acredita-se, portanto, ter tudo completo. Mas nada temos a fazer com isso na interpretação, na qual invocá-la não levaria muito longe, mas recolocaria o paciente no exato ponto em que ele se insinua entre um desejo e o seu desprezo por este: certamente, o menosprezo de sua mãe recalcitrante, a depreciar o desejo demasiado ardente cuja imagem seu pai lhe legou”.

“…O lugar que ele havia assumido no jogo da destruição exercida por um de seus pais sobre o desejo do outro. Ele adivinha a impotência em que se encontra de desejar sem destruir o Outro e, com isso, destruir seu próprio desejo, na medida em que ele é desejo do Outro”.

Foi, também, no intuito de proteger o Outro e simultaneamente se proteger que fez com que seu desejo ficasse encarcerado. Foi o sonho da amante que exibindo-se de modo certeiro, diferenciado da figura materna e das relações parentais, que tornou possível o paciente recuperar o uso do órgão que o falo representa.

No capítulo 1 do seminário 6, “Construção do Grafo”, Lacan teoriza sobre o lugar do falo e da castração. O inconsciente sempre coloca o sujeito a uma distância de seu ser, nunca reencontrado. O objeto está para sempre perdido e o desejo é o modo que o sujeito possui de atingir seu ser, visto que o desejo é a metonímia do ser. O $ enquanto falta busca seu complemento na imagem fálica, pois sempre há de faltar um significante, o falo – advindo da ameaça de castração.

O sexo apareceu aqui como um fato artificial, como um fato de semblant, mas um semblant confiável e verdadeiro porque envolveu uma satisfação. Daniel Roy, em seu texto “Proteção da adolescência” in Opção Lacaniana n.72, março de 2016,  Ed.Eolie, S.P, diz:

“….Na relação entre os sexos, quanto mais é do semblant, mais é pra valer, quanto mais se faz de contas, mais isso se torna verdade. Quer seja do semblant ou de verdade, uma vez que a partida foi iniciada, você está engajado, quer dizer que você pagou o preço para estar na partida e é isto que se chama desejo” (pag.51).

A maturação é operada a partir do encontro sexual, na própria relação ao objeto. O objeto é o que servirá para a separação do sujeito do Outro. O adolescente se servirá de um objeto externo para se separar do Outro, do objeto a.

Enfim, cabe ao adolescente reabilitar seu corpo movido de uma nova maneira pelas pulsões. A libido não é outra coisa a não ser a energia psíquica do desejo – e a experiência do desejo situa-se primeiramente como desejo do Outro, sendo isso que permitirá ao sujeito situar seu próprio desejo. De fato, diz Lacan, as redistribuições da libido não se dão sem custar a alguns objetos seus postos, mesmo que eles sejam inamovíveis.