Categoria: Topologia

Conversação dos núcleos do ICP

No dia 08 de dezembro de 2022, os Núcleos de Pesquisa do ICPRJ se reuniram mais uma vez para realizar uma Conversação. O evento aconteceu de forma híbrida, presencial e virtualmente. Neste post, trouxemos a contribuição do Núcleo de Topologia para a discussão do tema e do caso apresentado.

—————————————————————————————————————————

 

Por: Ana Tereza de Faria Groisman

 

A conversação entre os núcleos de pesquisa do ICP-RJ, em 2022, partiu de uma pergunta lançada pela coordenação de núcleos: “o que é um caso para a pesquisa clínica no ICP?”. O núcleo de pesquisa em medicina e psicanálise escreveu o relato de um caso atendido num dispositivo institucional e acompanhado por uma participante do núcleo: O Caso E. No núcleo de topologia, dedicamos dois encontros ao seu estudo e, no primeiro encontro, junto com Elena Lerner e Flávia Hasky, me dediquei a fazer uma leitura topológica do caso.

Organizei o relato, destacando três momentos que nos ajudam a circunscrever uma lógica do caso E.

 

Primeiro momento: tempo pregresso

Considero que seria, mais do que um momento específico, uma perspectiva histórica recolhida do prontuário da paciente: sua chegada ao Caps AD como local de tratamento. As crises de angústia eram descritas por ela como “falta de ar” e “mal-estar difuso”. Qualquer fator orgânico que poderia provocá-las é descartado, porém, nota-se que as crises vinham sendo tratadas por ela com a ingestão desordenada de medicamentos (ansiolíticos), o que orientou seu encaminhamento para um centro de atendimento votado para usuários de Álcool e outras drogas. A ingestão abusiva de substâncias se desloca da função de tratamento e passa a ser interpretada como sintoma a ser tratado.

Logo nas primeiras entrevistas, ela associa angústia e medo às dores difusas pelo corpo.

 

Segundo momento: repetição e demanda

Um circuito se desenha alguns anos depois de sua chegada. Ela narra, para a praticante que a acompanha, a sequencia de fatos que tende a se repetir incessantemente: a falta de ar sentida no corpo (interpretada por nós como sinal de angústia), o não reconhecimento do outro de que algo não está bem (a irritação do marido e deboche do filho relatados por ela), a irrupção da violência que se espalha entre todos (o tapa que dá e a briga que começa), a emergência da urgência que a leva ao Caps (lugar de tratamento e acolhimento da demanda). No Caps, recebe a garantia de que goza de boa saúde (aferição de seus sinais vitais), e finalmente o apaziguamento e contorno dado pela equipe que a atende a tranquilizam e estabilizam seu humor. Um circuito que tende a se repetir inúmeras vezes.

O que chamamos de circuito, também pode ser pensado como um enredo, ou uma cena que tenta enquadrar um gozo que itera. A “falta de ar” é sinal de uma presença estranha ao Eu, algo no corpo não funciona como deveria. Seria este o sinal de um gozo disruptivo que desarranja sua consistência narcísica?

 

Terceiro momento: o “silêncio eloquente”

Esse momento foi lido por nós como um momento de corte ou de um ato propriamente dito, pois divide o tempo entre um antes e um depois, subverte a relação entre o sujeito e o objeto e localiza um ponto onde paciente e praticante sofrem seus efeitos de surpresa.

Gostaríamos de destacar a fórmula que o núcleo de medicina encontrou para nomear o ato da praticante: “silêncio eloquente”, uma fórmula paradoxal e ao mesmo tempo absolutamente precisa para nomear o objeto voz. A eloquência é sempre atribuída à fala, não às palavras ditas, mas ao que dá peso a enunciação e orienta os enunciados. Este silêncio, portanto, tem estrutura de linguagem e valor de enunciação.

Consideramos que, o que dá eloquência ao ato, é justamente o fato dele se desprender de qualquer protocolo. A praticante dá voz ao silêncio que se impõe. Vale salientar que ele não se dá, sem que antes sejam tentadas outras saídas. Ele se impõe como limite, na borda do saber. Esse ato tem efeitos para a praticante e para a paciente, que finalmente acolhe o olhar e as palavras ditas como pontos de apoio.

Em nossos encontros, concluímos que as palavras que faziam apelo a uma retificação subjetiva, algo como: “você está incluída na causa daquilo que se queixa”, só puderam ser ouvidas de dentro: “ouço sua voz vindo da minha cabeça”, a partir do “silêncio eloquente”. É nesse ato (silencioso) que localizo o corte que viabiliza o advento do sujeito do inconsciente.

O corte é condição necessária, mas não suficiente, para que um tratamento possa prosseguir numa via orientada pela psicanálise. Até aqui, apesar do tanto de trabalho feito no acolhimento decidido pela equipe do Caps AD, poderíamos supor com a topologia que E. seguia como um pneuzinho (um toro) girando ao redor de um furo, sem nada querer saber sobre o que a faz girar.

Como veremos com a topologia de superfície, a partir do corte (interpretação) que subverte a estrutura, o imaginário tende a se recompor. O furo revelado pela estrutura moebiana que põe em relação o sujeito e o objeto a, tende a se tamponar novamente. Mas, a nossa aposta, é de que o furo não se fechará da mesma maneira.

 

Uma leitura topológica do caso

“Vem agora um pouco de topologia…” é assim que Lacan introduz em seu texto “O Aturdito”, a apresentação que faz do corte que viabiliza uma mudança na estrutura do discurso. Esse corte pode ser lido, portanto, como efeito da interpretação ou do ato do analista. Ele descreve passo a passo, o corte que produz uma subversão topológica que desvela a superfície moebiana que o toro escamoteia, “a evidência da banda é homologada pelo esvaziamento do toro”. O corte produz a “verdadeira banda”, aquela que se equivale a seu corte (Lacan, 2003, p.470).

No vídeo abaixo, é possível visualizar o corte que produz a subversão do toro em banda de Moebius, que na clínica corresponderia ao momento propício a entrada em análise ou ao surgimento do inconsciente transferencial.

https://youtu.be/876a_0WAoCU

Para Lacan, o corte e a banda são equivalentes: “O que se evidencia, é que a banda de Moebius, não é outra coisa senão esse mesmo corte, aquele pelo qual ela desaparece de sua superfície” (idem, p.471).

Lacan prossegue, localizando a passagem da banda ao cross-cap, que se infla em esfera a partir dela, é um inflado imaginário que coloca em relação o sujeito do significante e o objeto a. Ele pode ser lido como uma apresentação do matema da fantasia ($ ◊ a), ou ainda, como uma variante do esquema R, onde o simbólico e o imaginário se articulam pela torção da realidade. Porém, na passagem dos esquemas para o Cross-cap, o real se imiscui na fantasia. Segundo Lacan, “realizando a topologia, não saio da fantasia, mas confirmo que é a partir do discurso em que se funda a realidade da fantasia, que aquilo que há de real nessa realidade, se acha inscrito” (idem, p.478).

No aturdito, Lacan nomeia o Cross-cap como a (a)sfera, um inflado, com a aparência de esfera, mas que inclui uma torção interna que aloja o objeto em relação de extimidade com o sujeito.

Neste vídeo, é possível visualizar a estrutura do cross-cap: https://youtu.be/W-sKLN0VBkk

Por conta dessa torção, o dentro e o fora encontram-se em continuidade. Por isso, a voz da praticante (no caso E.)  pode ser ouvida como vindo do lado de dentro da cabeça, ou o olhar dela pode ser buscado como testemunha ou apoio que lhe assegura um contorno corporal. A paciente encontra seu lugar no olhar da praticante.

Aqui, vale lembrar da imagem que Lacan nos oferece da transferência em seu texto “Posição do inconsciente”, onde ele descreve o inconsciente como o “lugar onde isso fala”, e o relaciona com a caverna de Platão (e também de Ali Babá) , onde nela vemos entrar o psicanalista: “mas as coisas são menos simples, porquê essa é a entrada a que nunca se chega senão no momento em que ela é fechada (esse lugar jamais será turístico) e porque o único meio de ela se entreabrir é chamar do lado de dentro”, um abre-te Sésamo pelo efeito de linguagem (Lacan, 1998, p.852).

Retomo essa passagem para visualizarmos a torção que se opera com o ato da praticante, uma torção que introduz um novo lugar no discurso. As palavras produzem efeitos por serem ouvidas desde o lado de dentro da caverna, é de lá que se produz uma abertura para a dimensão inconsciente e uma possível retificação subjetiva. Uma topologia de borda, onde o dentro e o fora colocam-se em continuidade.

Voltando ao Aturdito, Lacan nos ensina que a topologia não é uma teoria, mas “deve dar conta de que haja cortes do discurso tais que modifiquem a estrutura que ela acolhe originalmente”. Esse corte não se dá como efeito da intervenção da sabedoria, ele irrompe no ato que brota no limite do saber.

A passagem do toro à banda e ao Cross-cap ((a)sfera) apresenta uma ficção que fixa um furo que conecta as duas dimensões do dizer. O objeto se torna êxtimo e, de fora, toca o mais íntimo de cada um: “sua voz entrou na minha cabeça” é a formulação poética de E. que demonstra de forma clara que é de dentro que o dizer poderá alcançar a dimensão do gozo.

Por fim, uma nota sobre o tempo: a topologia Moebiana não apresenta uma subversão apenas do espaço, onde a localização Euclidiana se dissipa, mas também subverte a relação com o tempo, onde o antes e o depois nem sempre se sucedem cronologicamente. Retomo aqui um recorte de Lacan na apresentação que faz de seu texto sobre o tempo lógico, onde diz que “o depois se fazia de antecâmara para que o antes pudesse tomar seu lugar” (Lacan, 1998, p.197).

A partir disso, penso ser razoável considerar que, no caso apresentado, o silêncio (posterior ao dito) serviu de antecâmara para que a voz ressoasse num novo lugar. O tempo da interpretação não coincide com o momento em que a praticante enuncia suas palavras, mas sim, se sucede ao corte que o silêncio produz.

 

 

 

Bibliografia:

LACAN, J. O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada. In: LACAN, J. Os Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

LACAN, J. Posição do inconsciente. In: LACAN, J. Os Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

LACAN, J. O aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

 

https://youtu.be/876a_0WAoCU

https://youtu.be/W-sKLN0VBkk

 

 

 

 

 

Liberdade e invenção. Corpo e dor como obra de arte. Breve comentário sobre o filme “Frida” (2002), da diretora Julie Taymor

Este texto fez parte do encontro de trabalho do Núcleo de Topologia do ICP do dia 09 de setembro de 2022, onde foram apresentados e discutidos os comentários de Marilena Leitão, Lucia Mariano e Ana Beatriz Freire, sobre o filme “Frida” da diretora Julie Taymor.

 

Por: Marilena Leitão

(Participante do Núcleo de Pesquisa em Topologia do ICP)

 

“A boa maneira é aquela que, por ter reconhecido

a natureza do sinthoma, não se priva de usar isso logicamente,

isto é, de usar isso até atingir seu real, até se fartar”.

– Jacques Lacan, Seminário 23, O sinthoma. (1)

 

“Frida”, o filme, é sobre a artista Frida Kahlo (1907-1954), seu relacionamento com o também artista Diego Rivera e sua saga com as dores advindas de um terrível acidente que trouxe complicações que a colocaram na cama até a morte. Mas o filme mostra principalmente a forma como ela fez de seus sintomas o Sinthoma que produziu seu dizer sobre a arte, a liberdade e “o saber haver-se aí” diante das contingencias da vida.

Vemos no filme, o pai de Frida em uma relação bastante amorosa com ela e apoiando-a em tudo. Ele, um fotógrafo que ela admirava muito e em quem se espelhava. Frida, quando jovem, vestia-se de homem e o pai dizia: “Eu queria ter um filho homem”.

Após o grave acidente e a fragmentação corporal que sofreu, a pintora transformou em arte a sua tragédia e a sua dor. Para atravessar a impossibilidade de movimentos do seu corpo, fez de sua própria imagem uma obra de arte. E o fez até mesmo com crueldade. Ela dizia que era a vida que ela pintava, mas era o (tocar o) Real que ela fazia surgir diante dos olhos de todos…

Diego Rivera a tomou como objeto a, como tomava todas as mulheres – e não eram poucas –, mas casou-se com Frida. O casamento não cessou a busca de Diego pelo objeto. Ele não buscava A Mulher, não abria mão de sua liberdade e menos ainda de seu compulsivo e incontrolável desejo elas mulheres.

Mas para Frida, Diego era tudo, era um verdadeiro deus. Podemos ler no texto de Miller (O parceiro sintoma) que: “Há uma outra pantomima que escrevemos em série: fazer do homem um deus, ou deixá-lo louco. O sujeito feminino dirige-se ao Outro para nele encontrar a consistência, mas oferece ao sujeito masculino a oportunidade de aí encontrar a inconsistência, a que inscreve satisfatoriamente o (A/)”. (2)

Estava formado o casal sintomático.

Ainda em Miller, vemos que: “Se seguirmos Lacan, a mulher é sempre objeto a para um homem, motivo pelo qual ela não é mais que parceiro-sintoma. O núcleo de gozo, esse objeto a, o parceiro sendo aqui o invólucro de a, exatamente como o sintoma o é. O parceiro como pessoa é o invólucro formal do núcleo de gozo, enquanto, para a mulher, se o homem se aloja em S(A/), não é somente um sintoma circunscrito, porque esse lugar implica o ilimitado. É um lugar não cerceado, um lugar em que não há limite. O homem é então o parceiro-devastação. Dito de outro modo, a devastação comporta o ilimitado do sintoma. Em um determinado sentido, para cada sexo, o parceiro é o parceiro-sintoma, mas para a mulher, em particular, um homem pode ter a função de parceiro-devastação”. (3)

Após muitas idas e vindas e dois casamentos desse mesmo casal, Diego finalmente cede e se reencontra com a mulher Frida, em quem reconhece a parceira de uma vida, sob o signo da liberdade.

Frida já totalmente imersa na morfina para aplacar suas terríveis dores, surpreende a todos chegando deitada em sua própria cama na abertura de sua primeira exposição no México após muita luta. Na época, era ainda mais difícil do que hoje as mulheres chegarem a lugares que eram ocupados apenas pelos homens.

Já perto da partida final, Frida Kahlo anuncia que espera “não voltar mais”. Ela se vai e sua obra ascende vertiginosamente em valor de mercado.

Frida é desenhada no filme como uma mulher interessante, corajosa, audaciosa, de humor sagaz, libertária e do Partido Comunista.

O filme apresenta uma posição decidida de Frida nas parcerias sexuais com os homens e com as mulheres também. Uma proposta de vida sexualmente livre. Mas, no entanto, ela necessitava da lealdade do seu homem. E aqui é onde ela se enrola na relação com Diego e com ela mesma.

E para concluir, vamos com Miller que nos diz que: “… o sintoma é antes de tudo um fato de enrolação. Há sintoma quando o nó perfeito rateia, quando o nó se enrola, quando há, como dizia Lacan, lapso do nó. Ao mesmo tempo, porém, esse sintoma feito de enrolação é também o ponto de basta, e em particular, o ponto de basta do casal. Assim, o sintoma é também um termo Janus. O sintoma, em uma de suas faces, é o que não vai bem, e na outra, o que Lacan, recorrendo à etimologia, denominou de sinthoma, o único lugar onde, para o homem que se enrola, finalmente isso rola”. (4)

 

 

Referências bibliográficas

(1) Lacan, J. (1975-1976). O Seminário, livro 23: O Sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, pg. 16.

(2) Miller, J.-A. “A teoria do parceiro”. In: Os circuitos do desejo na vida e na análise. Escola Brasileira de Psicanálise (orgs.). Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000, pg. 196.

(Esse texto retoma uma ampla parte do seminário proferido, em colaboração com Éric Laurent, no quadro da Seção Clínica de Paris VIII, e intitulado O Outro que não existe e seus comitês de ética (1996-97), dias 12, 19 e 26 de março, 23 de abril, 21 e 28 de maio, 4 e 11 de junho de 1997. Texto estabelecido por Catherine Bonningue).

 

(3) Miller, J.-A. “A teoria do parceiro”. Op. Cit., pg. 197.

(4) Miller, J.-A. “A teoria do parceiro”. Op. Cit., pg. 207.

 

 

Conversação clínica: O que o caso da jovem homossexual ainda nos ensina?

No caso da Jovem Homossexual relatado por Freud (1920/1980)[1] e comentado por Lacan nos Seminários4[2] e 10[3], o amor ao pai e o amor à dama tem lugar privilegiado na leitura dos movimentos desse ser falante,no modo singular de eleição de um objeto de amor, no remanejamento dos elementos na lógica fálica, na identificação ao pai e no modo como amor, desejo e gozo se articulam.  Pelos efeitos, presume-se que tanto o pai como a dama funcionavam como suporte de uma posição subjetiva enigmática (LACAN, 1956-57/1995, p.136) da jovem. A frustração de uma fantasia infantil (esperar receber um filho do pai) produziu um efeito surpreendente, uma inversão do objeto de amor que regrediu à identificação e o deslocamento do investimento de amor para a dama.  Esse arranjo durou algum tempo, pois a privação vivenciada pela jovem diante da recusa da dama em sustentar a cena, fez com que ela não pudesse mais contar com esses recursos imaginários e simbólicos diante do real, o que a teria levado a se jogar em um vazio, numa ponte suspensa sobre a linha férrea, episódio decisivo para seu pai levá-la a Freud.   Com os recursos da época, Lacan (idem, p. 150) interpretou esse episódio a partir da lógica fálica, como uma privação definitiva do objeto. Com isso, privilegiou a palavra niederkommt que remete à queda, parto (uma maneira demonstrativa de se fazer ela mesma a criança que não teve, o falo que lhe foi recusado). Concluiu, dizendo que “o único motor de sua perversão (…) é um amor estável e, particularmente, reforçado pelo pai”. (idem, p. 150).

Perguntamos: Qual é a função do amor à dama, a quem a Jovem se devota de um modo que evoca o amor cortês? Que lugar para amor, desejo e gozo, neste caso, situado por Lacan como um caso de perversão, entre aspas? A título de hipótese, admitimos, com Lacan, que o caso está estruturado a partir do amor ao pai, logo, organiza em torno do falo, dando lugar, a partir de um determinado ponto, a uma “relação perversa”.

Isso equivale a indagar qual a função do amor cortês para a jovem. De acordo com Lacan (LACAN, 1973-74)[4], no amor cortês, o imaginário assume um papel central, é o meio que liga a morte (real) e o gozo suportado na palavra (simbólico), tendo, portanto, sua função de enodamento destacada.

No caso da Jovem Homossexual, o amor tem função de enodamento. Num primeiro momento, vimos que essa função se apoia fundamentalmente no nome-do-pai enquanto elo capaz de nomear e amarrar os registros. É porque faliciza o não ter que a Jovem parece buscar, via Complexo de Édipo, o que não tem. Um elemento imaginário entra, assim, em uma dialética simbólica, enquanto ela se introduz na dimensão do amor. Na primeira apresentação do esquema L, o sujeito se constitui, sem o saber, na posição de mãe imaginária, que tem no lugar do grande Outro o pai simbólico, aquele que responde pelo enigma de sua existência. No imaginário, encontra-se privada do pênis e se dirige a um objeto, a criança a ser recebida do pai, de acordo com uma solução clássica para o Édipo. Esse arranjo tem no pai a presença fundamental, que conjuga desejo e lei.

O surgimento da criança real oferecida à mãe rompe o arranjo. Na segunda disposição dos termos no esquema L, o sujeito se encontra como criança que no eixo simbólico está referida ao pênis simbólico, segundo Lacan, glorificado no lugar do Outro. O pênis simbólico é aquilo que está no amor, em seu plano mais elaborado, para além do sujeito amado, por isso glorificado. Já no eixo imaginário encontram-se agora a jovem identificada ao pai imaginário, aquele que teria para dar, em um polo e, em outro, a dama, aquela que não tem, a quem ela se endereça. Nessa nova disposição, a garantia suprema de que a lei é o desejo do pai absolutiza o falo.

Ela faz de sua castração de mulher o que o cavaleiro faz à dama: sacrifica suas prerrogativas viris, o que leva Lacan a evocar o amor cortês. Em sua devoção à dama, ela “se coloca no que não tem, o falo, e para mostrar que o tem, ela o dá”, comportando-se, segundo Lacan, como um homem que pode sacrificar o que tem.

Lacan afirma que sua reação de tomar a dama como objeto de um amor cortês, sacrificando seus atributos viris (imaginários), mantém, ela própria, através da identificação imaginária ao pai, como “o suporte do que faltava no campo do Outro” (LACAN, 1962-63, p.124). Lacan esclarece que ela se faz a suprema garantia de que a lei é o desejo do pai, “de que existe uma glória do pai, um falo absoluto” (idem).  Lacan chega a afirmar que sua vingança ao pai é a própria lei paterna. Faz do falo um absoluto. Entendemos que essa referência ao falo como absoluto, o grande phiΦ, refere-se à lei que abriga seu desejo, aquela que referencia a falta do sujeito como passível de ser satisfeita pelo pai. E é no lugar do pai que ela ama a Dama como aquela que pode receber o falo.

O encontro com o olhar do pai, com o real, disjunta desejo e lei, trazendo para o centro do nó o real, meio de ligação que franqueia a passagem ao real da função do objeto a, com o qual ela se identificará na tentativa de suicídio. Na cena com o pai, o desejo entra em confronto com a lei do pai que a recrimina, promovendo uma disjunção, que não se confunde com o desencadeamento que romperia os elos. Essa disjunção desmonta o imaginário do amor cortês e acarreta que função do objeto a, entre os três registros, fique confinada ao real, passe ao real. Como, então, conceber topologicamente a disjunção que não é um desenlace?

[1] Freud, S. A psicogênese de um Caso de Homossexualismo numa mulher (1920)   EM: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1980.

[2] Lacan, J. O Seminário livro 4. A relação de Objeto. (1956-57). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1995.

[3] Lacan, J. O Seminário livro 10. A Angustia(1962-63). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2005

[4] Lacan, J. O Seminário livro 21. Lés non-dupeserrent(1973-1974) (inédito).Aula de 18.12.1973.

TOPOLOGIA

Coordenação: Ana Tereza Groisman, Angélica Bastos, Doris Diogo e Marcia Zucchi.

Periodicidade e horário: sextas-feiras, quinzenalmente, às 10h30

Início: 13 de agosto

 

Daremos continuidade à investigação dos recursos colocados em ação para constituir o imaginário do corpo e reparar o lapso do nó entre os registros. No segundo semestre, extrairemos consequências do estudo sobre a função do amor no caso da Jovem Homossexual, concentrando nosso interesse na incidência do amor sobre o enodamento do corpo, o objeto e a passagem ao ato.

Estudaremos a função de enlaçamento assumida pelos diversos modos de amor na neurose e na psicose, tais como o amor ao pai, o amor de transferência, as parcerias amorosas, etc, contemplando, sempre que possível, suas consequências sobre o corpo.

Para trabalharmos esses aspectos topológicos, recorreremos a textos teóricos, casos trazidos pelos integrantes do Núcleo, casos da literatura psicanalítica, além de apresentações de doentes conduzidas por Lacan.

Os encontros serão on-line, via Zoom. O link para a reunião será divulgado cerca de 15 minutos antes entre os participantes inscritos.

 

 

TOPOLOGIA

Coordenação: Stella Jimenez e Angélica Bastos

Periodicidade e horário: sexta-feira, quinzenalmente, às 10h30

Início: 17 de março

 

No primeiro semestre de 2017, o Núcleo de Topologia terá como tema o sinthoma no início e no final de análise. Com base em casos trazidos por participantes do Núcleo e casos publicados, buscaremos circunscrever o sinthoma (quarto elo) no momento inicial da experiência analítica, verificar se este quarto elo está presente, suas transformações e, quando possível, o sinthoma a que essa conduziu. Esperamos destacar aspectos topológicos de cada arranjo sinthomático, como os possíveis enodamentos. Recorreremos também a textos teóricos.

 

 

Programa de 2016.1

Coordenação: Stella Jimenez (stjimenez@terra.com.br) e Angélica Bastos (abastosg@terra.com.br)
Horário: às sextas-feiras, quinzenalmente, às 10h30
Início: 04 de março de 2016

A heresia ética do sexo: Qual a relação entre os nomes genéricos que o sujeito encontra na contemporaneidade e os nomes singulares que surgem na experiência psicanalítica? Além de não ser determinado pelo sexo biológico, nos dias atuais o falasser não é levado a se identificar sexualmente com os tipos ideais tradicionais. Aparecem novas formas de auto-nomeação. O que nós, psicanalistas, temos a dizer sobre isso? Trabalharemos essas questões em casos clínicos de participantes do núcleo, casos da literatura e filmes.

Notícias do Núcleo de pesquisa

No encontro do dia 02 de outubro, o Núcleo de Topologia teve a oportunidade de trabalhar o tema do corpo falante, a partir do caso de uma adolescente que se encontra na passagem lógica da escolha de uma posição entre os sexos.

O trabalho em análise possibilita a mudança do estatuto da fantasia desse paciente da perda de um pedaço do corpo para uma perda simbólica. O despedaçamento do corpo é localizado junto ao pedaço do corpo que é perdido desde sempre.

Ana Martha Maia

* As menções que pudessem identificar o caso clínico foram retiradas em nome do sigilo do paciente.

Notícias do Núcleo de Topologia

Tendo em vista o “império das imagens” e na direção do “corpo falante”, em seus dois últimos encontros, o Núcleo de Topologia trabalhou o conceito de corpo tórico referenciado no Seminário 24:  L’insu que sait de l’une bévue s’aile à mourre (1976-77). Em 21 de agosto, na leitura de um caso de psicanálise com crianças e no dia 18 de setembro, em um caso sobre um corpo falante que busca fazer um corpo através de suplências não ancoradas no simbólico. Neste segundo caso, trata-se de um corpo tórico, furado? Todo corpo pode fazer reviramentos, como os que vimos no caso da criança, o primeiro? – são algumas das perguntas que surgiram.

Stella ressalta que há uma tendência a se pensar na imagem unificada, quando se pensa no imaginário, e se esquece que Lacan sempre colocou, desde o início de seu ensino, que a imagem unificada se sobrepõe a outra imagem, que não é unificada: a imagem do corpo despedaçado. Desta forma, quando agora se fala do “império das imagens”, já não é o império da imagem unificada, mas o império das imagens que mais se ocupam de imaginarizar o corpo fragmentado.

No caso deste segundo corpo falante, desvitalizado, desfalicizado, na falta de uma imagem especular, há a busca da transformação do corpo na imagem do modelo. No entanto, esta amarração dos registros não se sustenta. A tentativa de suplência pela manipulação da imagem fracassa. E é no encontro com Um pai que inicia o desenodamento.

                                                                                                                                          Ana Martha Maia

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén