Maria do Rosário Collier do Rêgo Barros

 Partirei de uma pergunta: por que o excesso, quando insiste, nem sempre dá lugar a angústia como sinal, que orienta o sujeito, mas deixa-o entregue à destruição da pulsão de morte? O excesso incide com seu potencial destrutivo, quando não oferece o prazer esperado, e o que falha não consegue se inscrever como falta que simboliza um diferencial e alimenta o desejo. Ele se torna compulsão na medida em que fixa o sujeito em um gozo experimentado como dano, pois a satisfação esperada não foi possível de ser encontrada. O fracasso da satisfação, sempre traumático, pode deixar o sujeito apegado a um gozo que não consegue ser negativizado, nem se inscrever na cadeia significante.

  O fracasso da satisfação esperada, que não se inscreve no simbólico, permanece como um real opaco, acontecimento de corpo  que incide como devoração: e a angústia que aí desponta, ao não ser escutada como tal, desorienta. Encontramos em nossa clínica sujeitos à deriva, sem que possam sequer nomear o que os invade, senão através de etiquetas que os colocam no mercado de consumo das ofertas de medicamentos e de tratamentos especializados.

 Há crianças e adolescentes que recebem do sistema educativo, médico e psicológico etiquetas, tais como hiperatividade, déficit de atenção, autismo, que reforçam as modalidades encontradas por elas para evitar a angústia, ou seja, evitar o ponto de opacidade de um acontecimento de corpo que não conseguiram decifrar e que as aterroriza. Quando a angústia não se constitui como sinal, incluindo o Outro ao qual se dirige, insiste sem destinatário e as patologias do ato ou a paralização pela inibição fazem um curto circuito impedindo que a angústia cumpra sua função de permitir articular o gozo ao desejo.

 Como ler o sintoma no mal-estar atual levando em conta sua dimensão de evitação da angústia? Se o sintoma é sempre a marca de um fracasso, na medida em que não eliminará nunca a falha da qual a angústia é sinal, como o fracasso pode ser acolhido de forma a se constituir como mola que cumpra a função da angústia de articular gozo ao desejo? Então, podemos dizer que ler o sintoma da criança no mal estar que ela dirige ao analista, consiste em abrir um espaço para suas construções e acompanhar nelas sua forma de responder por uma falha que ela não pode nem eliminar e nem preencher com sua resposta, o que pode instaurar a dimensão separadora do sintoma, e assim abrir novos caminhos na relação do sintoma com a angústia, dando a essa última um tratamento que não seja um obstáculo ao surgimento do desejo.