de Maria Lidia Oliveira de Arraes Alencar e Carlos Alberto Ribeiro Costa
O artigo trata das relações entre passagem ao ato na psicose e segregação, a partir do caso clínico P. Seu percurso passa por uso de drogas, internação compulsória, desencadeamento do surto, passagem ao ato e reclusão num hospital de custódia. Casos como o de P. provocam, naqueles que se dedicam à escuta clínica, na interface entre saúde mental e justiça, uma série de impasses. Questões em torno das relações do louco com a cidade e as leis positivas, a impossibilidade de sustentar um ‘tratamento compulsório’, os efeitos de segregação, violência e morte – questões estas que fazem, das instituições manicomiais de custódia brasileiras, um híbrido do “pior da prisão com o pior do hospital”[1]. Tais impasses fazem dessa experiência, tamanha a desagregação que ela comporta, um desafio à invenção, pela atuação em terreno tão árido e complexo.
Este escrito se propõe a discutir tais questões à luz do princípio ético de Lacan de “não recuar frente à psicose”. Tomando a passagem ao ato como móvel da discussão, em seu empuxo e em seus efeitos, queremos tomá-la como ‘analistas cidadãos’, interrogando clínica, institucional e politicamente, suas implicações. Desse modo, o eixo dessa discussão se mantém sempre orientado pela noção psicanalítica de ‘responsabilidade’, isto é, do modo como a psicanálise se apropria desse termo, diversamente do termo culpabilização (imputação externa ao sujeito) e do termo vitimização (que desimplica e objetaliza o sujeito). A partir de Freud e de Lacan, pensamos que a responsabilidade opera como ‘responsividade’: saber fazer com uma experiência na qual o sujeito é imanente. Dito de outro modo, tão difícil, dolorosa e traumática quanto possa ser a experiência, cabe sustentar o imperativo ético freudiano de que “onde isso era”, devo, como sujeito “advir”[2]
Maria Lídia Arraes de Alencar e Carlos Costa
[1] Conselho Federal de Psicologia, 2015, p. 14-15.
[2] Freud, 1923/2006, p. 168.