O Caso da Jovem Homossexual

 Freud tomou a questão da homossexualidade não como uma questão moral, mas como uma questão clínica que pode ser tratada se o sujeito que o procura vem por estar com um conflito que o faz sofrer.

Assim, ao receber a Jovem homossexual, Freud anota que ela chega bem determinada em relação a sua escolha de objeto e não sofrendo de um conflito interno em relação a sua escolha. Não se trata, então, como dirá Freud, de curar a questão homossexual da Jovem. No entanto, Freud a recebe e se instaura a transferência.

Pesquisa do Núcleo Curumim

 Nos perguntamos qual foi o trabalho que aconteceu sob transferência. E como poderíamos articular as questões suscitadas pela leitura do caso de Freud com a pesquisa do Núcleo?

Decidimos por abordar a leitura do caso de Freud articulado às questões a partir do falo e do modo como a Jovem Homossexual faz um uso do falo para ir apoiar na sua relação com o Outro. Ou seja, como ela foi se arranjando para lidar com suas questões, para se localizar em relação ao desejo do Outro e as suas escolhas de objeto.

Nos perguntamos também, como no âmbito da sua família, ela pode lidar com a experiência de perda do objeto primordial, a mãe, e quais foram os desdobramentos dessa perda. Tentamos, assim, acompanhar quais foram as consequências e os arranjos possíveis para a Jovem Homossexual na sua articulação com o pai na sua dimensão simbólica, imaginária e real.

Outro ponto importante da pesquisa foi como articular a questão do objeto a na relação que a Jovem homossexual estabelece com o Outro. As construções fantasmáticas que ela faz para poder se apoiar – ou seja, como ela se serve do falo para tentar uma montagem de sua fantasia, e como nessas construções articular o objeto a. Qual é a montagem que ela faz de sua fantasia?

 Para tecer essas articulações, nos debruçamos no caso escrito por Freud e na leitura dos Seminários 4 e 10 de Lacan.

 Objeto a e o Falo

Partimos do Seminário 4 e destacamos a leitura do caso da JH como sendo “uma espécie de nó de três andares num processo que vai da frustração ao sintoma como equivalente de um enigma”. Lacan descreve esse processo estruturando as posições subjetivas enquanto termos e lugares que podem sofrer permutações.

Tempo 1

A posição da Jovem homossexual é da condição de filha, ainda na sua puberdade. Temos a primeira estruturação simbólica e imaginária que se dá na forma clássica. A equivalência pênis imaginário-filho instaura o sujeito, como mãe imaginária em relação a esse mais além que é o pai, e que intervém enquanto função simbólica, ou seja, enquanto aquele que pode dar o falo. Segundo Lacan, a potência do pai é inconsciente, estamos depois do declínio do complexo de Édipo e o pai, na condição de que pode dar o filho, é inconsciente.

Tempo 2

Será nesse tempo lógico ou como nos diz Lacan, nesse estágio, que vai se produzir a crise ou o momento “fatal” no qual o pai intervém no real, para dar um filho para a mãe. Ou seja, uma intervenção do pai no real faz com que o filho, com o qual o sujeito estabeleceu uma relação imaginária, passe para filho real. Lacan nos diz que algo se realiza e fica impossível o sujeito continuar instituindo o filho na posição imaginária.

Tempo 3

A intervenção do pai no real, no nível do filho, do qual ela é frustrada, produz uma transformação da equação. Segundo Lacan, se produz uma inversão na qual a relação do sujeito com seu pai, que está na dimensão simbólica, passa para uma dimensão imaginária. Lacan diz que se produz uma projeção da fórmula inconsciente do tempo um, do primeiro equilíbrio, numa relação imaginária com a dama.

Lacan vai dizer que se trata de uma relação perversa entre aspas, no sentido que o sujeito faz uma fixação inconsciente ao desejo de ter um filho do pai e metonimicamente instaura a dama no lugar do objeto amado. Assim, o que sustenta a Jovem homossexual, na sua relação entre as mulheres, é que inconscientemente já estava instituído para JH a presença paterna como sendo para sempre o homem que lhe dará um filho.

O cavaleiro cortês

No Seminário 10, Lacan vai dizer que a análise que Freud faz da Jovem homossexual coloca em evidência que será a partir de um acontecimento enigmático, que é o nascimento de seu irmão, que a jovem homossexual vai se orientar para a homossexualidade sob a forma de um amor demonstrativo como cavalheiro cortês – portanto, de uma forma viril. Nesse acontecimento, a Jovem homossexual se decepciona com o pai, de modo que esse ressentimento e a vingança que a Jovem homossexual tem com o pai tem uma função para ela e, por isso são determinantes na sua relação com o Outro.

  Até o nascimento de seu irmão, a Jovem homossexual estava numa posição de consentir com sua castração de mulher. Assim, ela faz equivaler sua castração de mulher ao sacrifício que o cavalheiro faz para a sua dama – ele sacrifica suas virilidades para dar o que ela não tem, na forma de amor cortês. A inversão desse sacrifício a faz o suporte do que falta no campo do Outro, ou seja, ela se constitui na posição de quem vai dar o que não tem para a dama.

O que Lacan ressalta é que a Jovem homossexual instaura a dama enquanto relação idealizada para tentar recobrir o que da Jovem foi experimentado como rechaçado do seu ser de mulher, e como insuficiente. Desse modo, a Jovem vai tentar fazer coincidir a lei do desejo com a lei do pai, uma vez que ela instaure a dama na posição de falo idealizado. Ou seja, o que ela vai dizer ao pai, segundo Lacan, é que ela se decepcionou com ele, ela vai mostrar a ele como é possível amar alguém que não tem o falo, uma vez que ela sabe que a dama não o tem, e que esse falo idealizado está par além da dama. Enquanto idealizado ele é o falo supremo que faz consistir a Mulher.

Passagem ao ato e objeto olhar

Nessa perspectiva, podemos ler com Lacan, que na cena do suicídio relatada pela Jovem homossexual a Freud, na qual ela se joga da ponte, niederkomnt, encontramos as duas condições que estão em jogo na passagem ao ato. A primeira será quando, ao ser rechaçada pela Dama, a Jovem não encontra recursos subjetivos para responder ao desinteresse da Dama por ela e, por isso se identifica com o objeto dejeto, objeto a, e se deixa cair.

A segunda condição é a confrontação ao desejo do pai e da lei, quando no olhar furioso que o pai lhe dirige, ela é capturada enquanto objeto a. Lacan demonstra, assim, que o momento da passagem ao ato é o momento no qual o objeto se alinha com o falo e o sujeito se deixa cair fora da cena. Desse modo, trata-se, na fórmula da fantasia no momento no qual o sujeito vai se deixar cair fora da cena para poder manter o seu estatuto de sujeito. Lacan destaca, assim, como toda construção subjetiva da Jovem homossexual é determinada pela confrontação ao desejo do pai e a lei do pai.

Perguntas que destacamos a partir de nosso trabalho

 1ª questão:

A Jovem Homossexual – um sujeito a trabalho

Poderíamos pensar na estrutura de psicose para a JH?

Nos perguntamos em que medida a Jovem homossexual faz um uso da transferência, instaurando Freud no lugar de quem toma nota, ou seja, de quem acusa recepção do trabalho que ela faz para manter de pé sua construção fantasmática, uma vez que ela não está dividida subjetivamente.

Nessa perspectiva, poderíamos tomar esse aviso que ela dá a Freud, de que ela não está disposta a mudar nada, na dimensão de que se tratar de algo que ela constrói continuamente, uma vez que o registro do simbólico não se sustenta muito e que, por isso, não é para mexer?

Lacan nos diz que a Jovem homossexual faz uma montagem na qual o falo idealizado vem para impedir que o sujeito se identifique com o objeto a e, assim, tenta fixar essa montagem pela via da identificação imaginária com o pai, possibilitando que ela instaure uma falta no Outro. Poderíamos tomar essa montagem como uma tentativa de fazer funcionar o simbólico nessa eterna mostração de um falo idealizado ao pai?

Lacan nos diz, no Seminário 10, a respeito da Jovem homossexual, que estamos diante da montagem na qual ela, por não ter sido bem sucedida como objeto causa do desejo do Outro, ou seja, não ter sido amada pelo Outro, passa para uma posição de amante, amante que vai dar o que não tem, instaurando assim, a falta no Outro. Para isso, monta uma cena de contínua mostração de sua devoção à dama, que Lacan vai tomar como um acting out, dizendo que o acting out é a engrenagem da transferência, é a transferência selvagem, a transferência sem análise. Ou seja, o acting out pede interpretação, ele é dirigido ao Outro. Lacan vai dizer que o sintoma comporta um gozo e que não necessariamente pede interpretação, mas que o acting out é a engrenagem da interpretação porque se dirige ao Outro e, por isso, pede a interpretação. Nessa leitura de Lacan, como tomar a questão da interpretação disso que ela mostra ao Outro diante da precariedade do simbólico?

 

2ª questão

 No Seminário 10, Lacan nos coloca que “no caso da jovem homossexual o que está em questão é uma certa promoção do falo no lugar do objeto a”. Podemos pensar com Lacan, no Seminário 6, que o sujeito está presente na fantasia e que o objeto, como objeto do desejo, toma o lugar daquilo de que o sujeito se encontra privado simbolicamente, qual seja, o falo? Essas pontuações nos fazem pensar: nessa estrutura, diante da troca de lugares e funções, chama nossa atenção a jovem sustentada na fantasia conseguir relançar seu desejo, a cada mudança de cenário. Sabemos que a fantasia é o suporte do desejo, então, qual o papel do ressentimento e da vingança na sustentação do desejo? Quando nasce o irmão, momento de sua inversão, trazendo para o imaginário uma situação que era inconsciente, que papel teve a sustentação da fantasia, essa inversão para a “perversão”? Podemos fazer uma leitura dessa inversão, ao terceiro tempo da fantasia?

3ª questão

A contingências envolvidas na passagem ao ato da Jovem homossexual: a recusa do amor cortês por parte da dama e o olhar de reprovação do pai parecem engendrar o que Lacan chama de “promoção do falo como tal ao lugar de a” (Lacan, 1962-63, p. 23). Discutimos no Núcleo questões de estrutura e pudemos detectar que esse alinhamento ou a referida “promoção”, pode estar presente em qualquer estrutura e engendrar a passagem ao ato. Cabe ao analista, diante de tais contingências apostar no simbólico, nos detalhes, no sintoma como forma de tratar essa falta de sustentação que faz o sujeito despencar da cena ou da ficção, identificado com o objeto dejeto.

LACAN Jacques, Le Séminaire. Livre IV, La relation d´objet, Paris, Seuil, 1994.

LACAN Jacques, Le Séminaire. Livre X, L´angoisse, Paris, Seuil, 2004.