de Mariana Mollica
O artigo Escola com Política faz, no título, uma clara referência à “Escola sem partido”, que vem a ser o Programa ideológico de poder antes em processo de constituição, mas que aflorou a partir do golpe jurídico-parlamentar brasileiro de 2016 e que passou a dominar o cenário político brasileiro desde as eleições de 2018, quando a extrema direita assumiu oficialmente o poder federal. Opondo-se frontalmente a tal perspectiva política, o artigo pretende demonstrar como a estrutura do projeto “Escola sem partido” vai na contramão da ética psicanalítica. O projeto que visa a demonização não apenas da política partidária – mas da política enquanto tal, na sua dimensão ética, ou seja, na implicação subjetiva frente ao discurso inerente ao laço social – tem como base aniquilar o pensamento crítico nas escolas públicas para maior controle do Estado sobre os cidadãos e para a institucionalização de uma subserviência consentida.
O artigo mostra como os quadros de passagens ao ato que têm crescido vertiginosamente em jovens e até crianças pequenas, através de demandas de atendimento que chegam à rede de Saúde Mental do Rio de Janeiro – ambulatórios, CAPS e outros serviços – podem ser lidos como um sintoma da estrutura revelada pela lógica do projeto “Escola sem partido”. A chamada “lei da mordaça”, que institui o “Escola sem partido” como projeto de lei votado em vários estados e já em vigor em algumas localidades, e que visa a institucionalidade nacional, é o prenúncio de algo ainda mais profundo do que o comprometimento da liberdade de cátedra e a tentativa de tornar a aprendizagem de alunos em manuais técnicos e reduzir o conhecimento a um saber “neutro”. O objetivo desse projeto é tornar o ambiente escolar, que orienta-se originalmente pelo desejo de saber, responsável pela transmissão do saber pautada na responsabilidade do aluno pela aprendizagem, um ambiente no qual alunos se transformam em delatores e acusadores, respaldados por uma espécie de código do consumidor. Há uma passagem da escola como espaço de transmissão de saber pela referência ao mestre para a lógica do mercado, que visa a produção em série de mercadorias e à segregação do sujeito.
Como pano de fundo, Escola com política faz referência, de forma mais sutil, a um chamado à relação intrínseca do psicanalista com a política, colocando a Escola de psicanálise e os psicanalistas que constituem sua comunidade como atores políticos de uma práxis que não está isenta de sua posição ética na polis brasileira de 2019, tanto quando vem a público para expressar sua posição, quanto ao se omitirem de fazê-lo.
Nesse sentido, o texto traz o dispositivo da supervisão clínico-institucional, particularmente as supervisões intersetoriais como perspectiva real de intervenção clínico-política. Essas supervisões conjugam em cada território da rede de saúde do Rio de Janeiro profissionais não apenas da saúde, mas das áreas da assistência social, da justiça e da educação, como polo promotor de inserção do discurso analítico entendido como forma de transformação na estrutura punitivista e de criminalização ou renúncia da política, própria ao neoliberalismo, principalmente quando as estruturas democráticas são colocadas em xeque. A hipótese levantada é que os achados coletivos na supervisão têm efeitos de tratamento do gozo nas situações de violência e de segregação que incidem tanto no plano singular quanto no plano institucional.
Podemos dizer, então, que este trabalho sustenta a afirmação de que é possível um psicanalista intervir na política enquanto psicanalista a partir de sua prática e levanta a questão: o que pode o psicanalista frente ao Estado de exceção? Como pode a psicanálise intervir junto a outros atores sociais em dispositivos que favorecem a emergência do sujeito e, consequentemente, a lógica do Estado Democrático de Direito, que tem a livre circulação da palavra tanto como sua condição, como também como forma de engendrá-lo?
Mariana Mollica