No primeiro encontro do Núcleo de Psicose e Saúde Mental iniciamos a discussão do texto “De la sorpresa al enigma”, encontrado na conferência de Miller na abertura do Conciliábulo de Angers, 1997, publicado em Los inclassificables de la clinica psicoanalítica. Miller destaca a diferença entre assombro e surpresa na clínica da neurose e da psicose.

Todos somos traumatizados pelo real da língua, o sintoma surge dessa marca. A língua é uma costura de fragmentos de linguagem que impactaram e marcaram o corpo do sujeito. O assombro estaria mais do lado do sentido e a surpresa algo mais do real.

Em uma análise, o impacto da fala do analisante causa efeitos, algumas vezes, efeitos de surpresa. Na neurose o recalque é o start da repetição, o que implica o retorno do recalcado constituindo-se como motor daquilo que poderá ser tomado como surpresa. Mas, e na psicose, como pensar a surpresa diante do fato da forclusão? Precisamos ir além dos termos e conceitos freudianos, nos forçando a buscar uma resposta pela via topológica, perceber onde se deu o rompimento dos registros, para, em parceria com o sujeito psicótico, construir isso que não se revela, mas que se constata.

Aquilo que se enuncia, que irrompe a partir da surpresa é algo do real, é um índice da opacidade do gozo, uma emergência do gozo, de lalíngua, da letra, de um acontecimento de corpo e “isso” se configura como uma peça solta que não cabe na subjetividade. A análise é uma tentativa de fazer caber “isso” na subjetividade. O dispositivo do passe nos transmite um savoir y faire com esse “fazer caber”, como algo mais do lado de uma pura diferença e do singular e menos do laço social.

Enlaçando o texto com o tema do Congresso AMP 2016, “O inconsciente e o corpo falante”, segundo o próprio Miller em seu texto-argumento, quando falamos de sinthoma dizemos sobre o falasser. Miller situa a coincidência entre escabelo e sinthoma a partir do passe e da obra de Joyce. O sinthoma como sintoma do falasser está ligado ao seu corpo e exclui o sentido. Em nossa discussão pudemos extrair que o efeito de surpresa faz ressonância com o corpo falante como efeito de poesia no corpo. Para o próximo encontro do núcleo ficou a proposta de avançarmos a partir da conferência de fechamento de Angers: o vazio e a certeza.

Francisca Menta