Sobre a Conversação dos Núcleos e Unidades de Pesquisa do ICP

A primeira manhã da XXIV Jornadas Clínicas foi aberta por Maria do Rosário nos convidando a acompanhar os casos trabalhados pelos Núcleos e Unidades de Pesquisa. Cristina Duba nos apresenta o caso trabalhado na Unidade de Pesquisa Clínica e Política do ato, deixando-nos como questão uma indagação acerca da verdade, lembrando que a verdade não pode ser toda dita, pois o que está em jogo é a verdade do desejo, e nesse caso, é o desejo do analista que pode levar o sujeito a uma nova invenção, pois há algo de real que não pode ser dito.

Lenita Bentes comenta o caso apresentado pelo Núcleo de Psicanálise e Medicina, ressaltando o manejo do analista ao propor a objetalização da medicação à objetificação do sujeito, quando da posição de psiquiatra passa à do analista. O que o analista faz é apostar na transferência.

Angélica Bastos apresenta-nos um caso clínico trabalhado na Unidade de Pesquisa Práticas da letra, marcando o lugar do analista para sustentar a construção de uma suplência no caso de uma psicose atendida em um consultório na rua e depois em Caps. Alerta-nos sobre a ética do psicanalista na sustentação de um real impossível.

Vicente Gaglianone comenta o caso de uma criança do Núcleo Curumim, destacando o analista com seu corpo em jogo com o efeito de apaziguamento para o sujeito, permitindo a enunciação de um nome que possa fazer um contorno ao real.

Por fim, e após intenso debate, ficamos com a presença e fala de Marina Recalde, ao nos dizer que todos “são casos que despertam”. Penso que é o analista que se fez despertar em cada caso, pois como disse Marina Recalde “o que se escuta é o analista por todo o lado”.

Monica Marchese (Turma 2014)

Notícia do Núcleo de pesquisa

No encontro do dia 05 de outubro, o Núcleo se reuniu em torno da conferência “Falar com seu corpo”, de Jacques-Alain Miller (Opção Lacaniana nº 66, agosto 2013). A partir das constatações de que “a saúde mental não existe” e de que “cada um tem seu grão de loucura”, Miller nos fala da posição singular do analista frente ao discurso comum, o discurso de massa. O caráter ficcional do termo “saúde mental” reaparece quando se tenta, por exemplo, numa pretensa objetividade, expor um caso clínico como se fosse o de um paciente, sem levar em conta o laço transferencial com aquele que o escuta. O analista, diferentemente, está implicado no caso, sua presença produz efeitos, ele está “dentro do quadro” clínico, precisa pintar a si mesmo dentro deste quadro assim como Velázquez representa a si mesmo com o pincel na mão em sua tela “As meninas”.

Ao longo dos últimos anos, o discurso do mestre penetrou de maneira profunda a dimensão psi, a dimensão do “mental”, através, por exemplo, do fácil acesso aos psicotrópicos, da expansão da psicoterapia sob um modo autoritário, em se tratando sempre de uma aprendizagem para o controle. Se antes esse domínio escapava em grande parte aos governos, ele é atualmente objeto de regulações e exigências cada vez maiores. Essa progressão acontece paralelamente ao reconhecimento público da psicanálise, recolocando o desafio aos analistas de sustentarem sua posição remodelando sua prática em função do que lhes é requerido a partir do cenário atual sem abrir mão da sua ética.

Para a psicanálise, a única saúde mental que um sujeito é capaz de conseguir advém de certo exílio conquistado do discurso do Outro, advém do sintoma que uma vez esvaziado de seu sentido, nem por isso deixa de existir, mas vive sob uma forma que já não escraviza mais o sujeito. A psicanálise oferece, portanto, para aquele que nela aposta, acesso ao campo onde o mental se esvaece e deixa o real nu.

Lacan uniu com um laço essencial a verdade e a mentira, e apontou o campo que está para além da mentira do mental, a parte mais opaca do que Freud já nomeava como libido. Sendo assim, podemos observar, a partir da leitura de Miller, uma mudança no modo de se tomar o termo “desejo” na obra de Lacan: tomado como o que era irredutível à demanda, tal como pensado nos anos 50, o desejo deixa entrever agora sua face de “sentido”. O desejo, tal como no percurso de uma análise, passa também por uma deflação se apresentando agora como semblante que, como a relação sexual, é outra “verdade mentirosa”. Afirma Miller: “O desejo é o sentido e o semblante da libido, sua mentira mental”.

Outra passagem na obra de Lacan diz respeito à mortificação do corpo pelo significante. A partir do Seminário 20, é possível reconhecer que o significante não só mortifica o corpo, mas que nesta operação que recorta uma parcela de carne, esta última emerge numa palpitação que anima o universo mental. O significante não só mortifica o corpo, mas vivifica o gozo, ele marca o corpo com um vestígio inesquecível, um “acontecimento de corpo”, um advento de gozo que não volta jamais ao zero. Deste modo, como diz Miller, “o corpo não fala, mas serve para falar”. O que a psicanálise oferece para cada um é o horizonte de um saber fazer com esses gozos sem as muletas da fantasia, da tela.

Tatiana Grenha

Notícias da Unidade de pesquisa

Nos últimos encontros da Unidade de pesquisa discutimos o texto “Vitimologia”, do Bassols, que está no disponível no site do Pipol. Na direção de nosso debate, demos destaque especial ao trecho em que Balssols fala da desvitimização, termo que nos levou ao Curso do Miller Donc, que já estava em nossas referências para este semestre, no qual selecionamos o capítulo intitulado “A estrutura geral do desconhecimento”. Na discussão, buscamos entender qual a afinidade do eu com a posição da vítima.

Outro texto discutido em conjunto com o “Vitimologia”, foi “Vítimas sem gozo”, texto disponível no site do PIPOL, de Rose-Paule Vinciguerra. Neste ínterim, Heloisa Shimabukuro levou para a Unidade de Pesquisa um fragmento clínico que, além de enriquecer os nossos estudos, foi apresentado na preparatória da XXIV Jornadas Clínicas da EBP-RJ e do ICP-RJ.

Leonardo Miranda

Notícias do Núcleo de pesquisa

No encontro do dia 02 de outubro, o Núcleo de Topologia teve a oportunidade de trabalhar o tema do corpo falante, a partir do caso de uma adolescente que se encontra na passagem lógica da escolha de uma posição entre os sexos.

O trabalho em análise possibilita a mudança do estatuto da fantasia desse paciente da perda de um pedaço do corpo para uma perda simbólica. O despedaçamento do corpo é localizado junto ao pedaço do corpo que é perdido desde sempre.

Ana Martha Maia

* As menções que pudessem identificar o caso clínico foram retiradas em nome do sigilo do paciente.

Jornada de Conclusão da Turma do Curso Fundamental de 2012

Uma manhã de sábado. Muito mais alegria do que apreensão matiza os minutos que antecedem a apresentação dos trabalhos deste fim de curso fundamental no salão do ICP. Recebo o texto das formandas para melhor acompanhar as leituras. A capa está estampada com uma fotografia de autoria de Cindy Sherman. Esta temática referir-se-á à última apresentação do dia. Entretanto, imediatamente a figura da moça retratada, que aguarda sozinha à beira da estrada com uma mala ao lado, remete-me às colegas que findam este curso, embora não a formação, que continua. No quadro, o horizonte vai longe e a bagagem, permanente obra em progresso, se enriquecerá no percurso singular de cada um que se aventurar nesta estrada, seja na travessia própria, seja também, de carona, na de seus analisandos.

A dinâmica desta jornada embalou a conclusão de curso de seis alunas: Samantha Lemos, Isabel Bogéa, Tatiana Grenha, Ana Cristina Moreira, Anna Carolina Nogueira e Annabel Albernaz.

Os três primeiros trabalhos trataram de casos clínicos e me ocorreu que, na singularidade de cada caso, as analistas souberam percorrer o caminho levando sua bagagem, com atenção aos sinais, leitura da estrada e reescritura do horizonte – combinação de técnica e sensibilidade. Já nos três últimos trabalhos, a releitura dos fundamentos teóricos, buscando dar conta do que hoje nos acomete, foi representada por três instâncias tão caras: o feminino e o Superego, as novas faces do Outro, a arte como fresta do Objeto a – cotejamento e atenção crítica e criativa. Nos seis casos: formação de bagagem – “mala de Cindy”. Boa viagem!

Em vista da qualidade do que foi apresentado, posso compreender então a satisfação inicialmente percebida. Parabenizo as alunas, as coordenadoras, as debatedoras e o Instituto. E mais uma vez pude confirmar o prazer de fazer parte desta comunidade.

Cecilia Castro (Turma 2015)

Para visualizar a fotografia de Cindy Sherman acessar:
http://www.tate.org.uk/art/artworks/sherman-untitled-film-still-48-p11518

 

Imagens intoxicadas: o que se olha, mas não se vê!

Temos sido desafiados, praticantes da psicanálise, a pensar sobre um modo de resposta, muito frequente no contemporâneo, que só se dá em ato e, consequentemente, com suas patologias. Passagens ao ato e actings out habitam as instituições e o social como um todo, num contexto de ruptura. Efeitos do declínio do simbólico que traz como consequência a satisfação pulsional sem mediação simbólica.

Duas cenas recentes e discutidas no Núcleo de Toxicomania e Alcoolismo retratam essa questão:

CENA 1:

Jovens acompanhados por um dispositivo da Assistência Social resolvem certo dia que

“queriam matar alguém” e fazem do dispositivo seu alvo. Apedrejam todas as janelas e tentam invadir o prédio, causando uma grande tensão. Procuram e acham outra vítima em outro lugar e o espancam quase à  morte.

CENA 2:

Relato de diferentes equipes de CAPS ad sobre reiteradas vezes em que seus pacientes dirigem a elas e a outros pacientes, agressões verbais, agressões físicas e danos patrimoniais às unidades. Não raro se faz necessário a intervenção da polícia para apaziguar os conflitos.

Embora ambas as cenas sejam atravessadas por intoxicações, há algo que escapa ao olhar, a compreensão. Parafraseando Baudrilard (2)“ por trás da maioria das imagens alguma coisa desaparece”. O que desapareceu nessas imagens intoxicadas e intoxicantes? O que faria esses sujeitos atacarem serviços e pessoas que acessam recorrentemente?

Ecoa uma questão de Santiago (8): “com qual gozo o sujeito, nos dias de hoje, se orienta?” Talvez pudéssemos nos arriscar respondendo que na contemporaneidade surge um gozo que não passa pelo simbólico e nem pelo dizer. Nesse sentido, o gozo que esta em jogo refere-se ao gozo do Um, do Um totalizante da unidade imaginária narcísica, opondo-se a toda dialética do gozo do corpo do Outro.

A questão da violência nas instituições públicas parece ser de ordem narcísica também, de substituir a palavra pela passagem ao ato ou actings out, para furar a consistência imaginária do Outro, não pela via simbólica, mas no real. Atuação no real do que não se verbaliza. Um real nu e cru, que corta como navalha.

A estrutura revelada pelo ato aponta que sua temporalidade se assemelha a da urgência, saltando do instante de ver ao momento de concluir sem passar pelo tempo de compreender.

Lacan (7) nos aponta que a agressividade é a tendência correlativa a um modo de identificação a que chamamos narcísica, e que determina a estrutura formal do eu do homem e do registro de entidades característico de seu mundo. Segue, ainda, dizendo que a eficácia própria dessa interação agressiva é manifesta, nós a constatamos frequentemente na ação formadora de um indivíduo sobre as pessoas de sua dependência: a agressividade intencional corrói, mina, desapega; ela castra; ela conduz à morte.

Lacan (7) também nos advertiu que o declínio da imago paterna viria a ser motivo de aumento da criminalidade quando a ordem fraterna foi substituída por uma ordem de ferro. Assim, segundo Bentes (4) vivemos a ditadura do gozo, cada vez mais, das patologias do ato, da violência e de sujeitos em conflito com a ordem pública.

A descrença no significante mestre, nos diz Greiser (5), leva a crer não no Outro do Significante, mas no Outro do Gozo, para fazê-lo consistir não só nas toxicomanias, mas nos atos terroristas, no suicídio ou assassinato e nos roubos seguidos de morte, sequestros e violações.

Talvez a contribuição que a psicanálise possa oferecer às equipes, que muitas vezes também respondem em atos, seja apontar que os sujeitos que necessitam de um tratamento institucional são justo os que não têm recursos simbólicos suficientes para manejar o transbordamento que os acomete. Esse transbordamento para o campo social exige novas respostas, exige um campo coletivo de intervenções que possam fazer uma borda ao sujeito, possibilitando assim, certa ancoragem ao mesmo, nos adverte Faria (4).

Podemos pensar a violência que bate às portas das instituições como oriunda do declínio de certos significantes mestres, restando uma solução pela via do imaginário que implica na reprodução de esquemas polarizantes e não dialetizáveis onde a menor falha representa um fracasso e torna impossível toda perda, esta, transformada num feroz ataque devido à debilidade do simbólico.

Bassols(1) nos alerta que uma imagem não diz nada, oculta, ao contrário, o indizível que só a palavra pode evocar ou invocar. Parece ser esse o indicativo para os praticantes da psicanálise: ouvir as imagens.

Hanna (6) nos lembra que, ao poder da imagem a psicanálise oferece o poder da palavra indicando que aí onde há uma imagem, de fato há um significante. Entre um e outro significante encontramos alojado algo irredutível ao simbólico que Lacan denominou objeto a, cuja elaboração permitiu repensar o campo escópico dando lugar à separação entre o visível e o olhar. Ela aponta ainda que, embora saibamos, através do recolhemos na experiência analítica, que o poder da palavra não elimina o poder do imaginário, um não substitui o outro, há algo que resiste, e é com essa resistência que caminhamos, partindo do real.

                                                                                                                               Autora: Selma Pau Brasil

Co-autores: Lenita Bentes, Simone Delgado, Gustavo Corinto,

Pablo Campos, Fernanda SaintMaritn e Gisele Fleury

 

Referências bibliográficas:

  • Bassols- O império das imagens e o gozo do corpo falante. IN: BoletimFlash nº 00 do VII Enapol.
  • Baudrilard, J. O desaparecimento do mundo real. IN: Boletim Flash nº 04 do VII Enapol
  • Bentes, L. V, G. – As Patologias do ato. Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2014.
  • Faria, M.W.S.- El tratamento posibledel toxicómano em lainstitución, IN Pharmakon, nº 10, 2005.
  • Greiser, I. – Delito y transgresión, um abordaje psicoanalítico de La relación del sujeito com la ley. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2008.
  • Hanna- Algumas perguntas em torno do império das imagens. IN: Boletim Flash nº 03 do VII Enapol.
  • Lacan, J. –A agressividade em psicanálise, IN: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
  • J. – Efeito- Charlie e a política do não todo. IN: Nel Notícias, 2015.

Resenha da Jornada de Encerramento da turma do ICP 2012

No sábado, 19 de setembro de 2015, houve a Jornada de encerramento da turma do ICP 2012. Foram apresentados seis trabalhos em três diferentes mesas, contando com os comentários de alguns professores do ICP.

De início, Samantha Lemos procurou circunscrever o lugar do psicanalista na escola, trazendo um caso para falar dos impasses e desafios desse trabalho. Em seguida, Isabel Bogéa também apresentou um caso clínico em seu trabalho. Jeanne Marie, enquanto debatedora da mesa, destacou no trabalho de Samantha, o trabalho do analista na cidade, sendo este uma presentificação da psicanálise no mundo.

Na mesa seguinte, Tatiana Grenha apresentou seu trabalho trazendo um caso. Tatiana nos falou sobre o desejo do analista, que consiste em isolar o a –enquanto causa – do i – ideal do eu, assumindo as consequências de uma ética que se sustenta no impossível. Ainda nesta mesa, Ana Cristina Moreira trouxe seu trabalho intitulado “O que fazemos quando fazemos análise?”, sublinhando pontos fundamentais da clínica para pensar os desafios para o analista nos tempos atuais. Ela propôs uma inversão da passagem da verdade ao gozo numa análise, isto é, um caminho que vai do gozo à verdade. Colocou o sintoma hoje como sendo da ordem do real, e apontou para o falasser como sendo o sujeito e a substância gozante. Nos fala de um gozo possível através de uma construção do Outro em análise, e da possibilidade de se fazer um “bom uso” desse gozo, obtendo satisfação no ponto onde o saber falta. Stella Jimenez foi a debatedora da mesa. Sobre o trabalho de Ana Cristina, destacou o surgimento de sintomas sem o inconsciente na atualidade, atravessados pelo discurso da ciência, inviabilizando a produção de um saber próprio do sujeito sobre o inconsciente. A partir disso, recoloca a questão trazida por Ana como título de seu trabalho: como colocar em análise sujeitos que chegam muito atravessados por seu gozo?

Na terceira e última mesa, Anna Carolina Nogueira iniciou apresentando seu trabalho intitulado “Devastação mãe e filha e o supereu”, e trouxe pontos importantes sobre a sexualidade feminina. Colocou a questão: o que perde uma mulher quando perde um amor?, afirmando que o amor amarra algo que é da ordem do real numa mulher. Anna coloca a vertente da devastação e do deslumbramento como estando ambos atrelados ao gozo feminino. Por fim, Annabel Albernaz apresentou seu trabalho sobre a arte de Cindy Sherman, já fazendo uma articulação com o trabalho de Anna, ao afirmar que a arte seria um possível tratamento desse inominável do gozo feminino. Falou sobre o corpo enquanto não-todo, uma vez que algo dele não se inscreve no simbólico, indagando-se sobre como então se faria essa circunscrição. Cindy Sherman faz uso do próprio corpo, produzindo diferentes “imagens do feminino”, e o que ela busca é uma subjetivação desse vazio de significante. Annabel coloca a análise como uma possibilidade de remanejo do gozo da devastação e a arte apontando, no trabalho de Cindy Sherman, uma maneira de lidar com o corpo que é não-todo.

Maria do Rosário do Rêgo Barros, enquanto debatedora, aponta como a saída da castração por parte da mulher tem relação com a devastação. Sugeriu pensarmos não a respeito da perda de um amor, mas sim da busca deste por parte da mulher, como sendo a busca de um significante para fazer suplência à falta. Sublinhou a articulação entre devastação, demanda de amor e supereu feita por Anna em seu trabalho, e sublinhou um ponto importante: o gozo da devastação não se confunde com o gozo feminino. Na devastação, trata-se de um encontro devastado com o não-todo. Em seguida, propôs pensarmos, no contemporâneo, nessa saída devastadora como tendo relação com certo modo de decepção com o pai. Rosário coloca, ainda, que o lado não-todo pode ter tratamento quando referido ao falo, de outra forma é da ordem do horror. Numa relação que não seria devastadora, o amor de um homem é também a possibilidade de uma mulher ser Outra a ela mesma.

Sobre o trabalho de Annabel, Rosário aponta que Cindy Sherman buscou no olhar do Outro o horror que ela vivia em si mesma, como sendo um modo de tratamento desse horror. Não seria uma via, pela arte, de construir uma outra para si mesma? Trata-se de uma saída inventada por Cindy Sherman pela via do sinthoma. Ao se vestir, ela aponta para o vazio, fazendo uma função de semblante que aponta para o real. Cindy revela os semblantes a partir de uma inscrição fálica em suas fotos, uma saída que encontra pela via do feminino e que pode ser, não só, do horror da devastação.

Após a apresentação dos trabalhos, houve um brunch para brindar a merecida conclusão de uma turma causada com a transmissão da psicanálise, o que se fez mostrar na fineza e qualidade dos trabalhos apresentados. Parabéns, turma do ICP 2012!

Mariana Pucci (Turma 2015)

* Todas as menções aos casos clínicos apresentados na Jornada foram retirados em nome do sigilo dos pacientes.

 

Por que o esforço de abrir a porta pesada? Sobre a Jornada de encerramento da turma de 2012

Assisti a Jornada de encerramento da turma de 2012 do ICP: bons trabalhos, a maioria casos clínicos. Um trabalho apresentado provocou a pergunta do que move o analista em seu ato que produz efeitos no analisando, formulada em termos do que explicaria sua coragem.

Angela Negreiros associou o termo coragem, a partir de um caso apresentado, ao esforço de abrir a porta da Escola – mencionada, aliás, por uma colega agradecendo a ajuda do Alcides para abrir a porta pesada e dos professores nesses três anos. Associei coragem ao nosso esforço para estudar e discutir textos de Freud, Lacan, Miller e Laurent às vezes difíceis, àquele de levar adiante nossa análise, de assistir Congressos e trazer para a discussão trabalhos e casos. Essa coragem de abrir a porta pesada vem da ancoragem que a interlocução que se encontra atrás da porta constrói e promove.

Denise Henriques da Silva Abreu (Turma 2013)

Resenha do texto “Corpos lacanianos”

Em Granada, setembro de 2009, há exatos seis anos, Marie-Hélène Brousse proferia a conferência intitulada Corpos lacanianos: novidades contemporâneas sobre o Estádio do Espelho, que mantém sua atualidade. Estivemos discutindo esse texto, disponível na Revista Opção Lacaniana on line no 15, com tradução de Elisa Monteiro.

A autora inicia apontando como Lacan, desde os anos 30, procurou apoiar os conceitos psicanalíticos aos postulados científicos. Foi com base na etologia, ciência que estuda o comportamento dos animais, que Jacques Lacan observou também haver uma orientação dos seres falantes de relacionar a imagem ao real, desse modo dando ao imaginário uma base real.

É de 1949 a teoria lacaniana do Estádio do Espelho que estabelece que a unidade do corpo da criança não advém das sensações orgânicas, mas da imagem de si, seja a do espelho ou aquela refletida pelo outro. O organismo, naturalmente caótico, e seu corpo fragmentado necessitam da imagem do corpo para fazer um velamento, uma máscara frente ao real, este impossível de apreensão plena pelo sujeito para realizar sua identificação. Marie-Hélène propõe uma nova leitura do Estádio do Espelho, dizendo da relação necessária entre imagem do corpo e corpo fragmentado, assim como Lacan havia relacionado em matema o significante sobre o significado, a partir de Saussure. Ela adverte que, embora essas variantes sejam separadas, a relação entre estas mesmas partes são absolutamente importantes e, se não harmônica, pode desencadear transtornos subjetivos importantes.

No segundo comentário sobre o Estádio do Espelho, é lembrado que a imagem integrada não se produz para a criança sem a linguagem, sem o que Lacan chama o Outro. Desta vez, nos anos 50, para dizer da ilusão produzida pela apropriação da linguagem pela criança e pela estruturação do inconsciente como uma linguagem, Lacan se vale de um modelo ótico: dependendo da lente do espelho (côncava ou plana) a imagem do real resultará de um modo ou de outro, fragmentário ou unificado. Marie-Hélène prossegue: “a dificuldade nesta escritura se refere aos pontos de encontro entre a experiência orgânica e a imagem do corpo.” A autora esclarece que o laço entre a imagem (do corpo) e o organismo (corpo fragmentado) tem a ver com as experiências de gozo, ou seja, relaciona-se com as zonas erógenas: boca, ânus, falo, ouvidos e olhos. Estas zonas, que não são imagens, permitem grampear a imagem com o organismo e também se referem aos objetos a. Esses objetos, se percebidos na imagem do corpo não causam estranheza, mas se se apresentam fora da imagem do corpo causam angústia. Um objeto a tem um sentido fálico, um valor de significante, se unificado no corpo. Se aparece fora dele, perde seu valor fálico e é puro real. Exemplos: membro amputado, olhar, voz, excremento, cabelo.

Hoje, a ciência possibilita tratar o organismo como partes que podem ser separadas, alteradas, trocadas, convertendo-o em objetos de competência econômica. O discurso da ciência modificou o corpo fragmentado e também a sua imagem. Para que esta se estabeleça já não prescinde da visão humana, muitas imagens podem ser obtidas por máquinas. Toda sorte de intervenção poderá ser praticada, de cirurgias plásticas e transplantes a imagens internas do organismo. Os seres falantes necessitam cada vez mais de informações para fazer barreira à angústia, antes aplacada por discursos tradicionalmente constituídos. Marie-Hélène considera que está em curso uma decadência do Ideal do Eu e um desenvolvimento do eu ideal à medida que a ciência avança. O império da linguagem e das imagens parece ceder ao império da escritura científica.

Concluindo, Marie-Hélène Brousse lembra que a arte contemporânea é aliada da psicanálise no discurso que revela mudanças na cultura em decorrência da ciência. Marie-Hélène crê que estamos cada vez mais em uma civilização de objetos a, tal como eles são, vistos pelo espelho côncavo, fragmentados, sem imagem que os unifique e que proporcione um sentido.

Links para as obras mencionadas no texto, que olham criticamente o nosso tempo, de autoria do artista plástico britânico Damien Hirst:

Cecilia Castro

 

Análise do caso Hans Eppendorfer: o crime e a passagem ao ato na tese de M. B. da Motta

 

A tese de Manoel Motta trata da criminalidade à luz da psicanálise lacaniana com os conceitos da teoria freudiana, com o ensino de Lacan e com as elucidações da Orientação Lacaniana de Jacques-Alain Miller. Os três Registros lacanianos, Real, Simbólico e Imaginário, lhe servem de baliza. Analisa com profundidade casos de crimes que se tornaram famosos pela sua repercussão na sociedade da época e pelos estudos que suscitaram no campo da psicanálise.

Delimita, nesse estudo, um campo de investigação próprio, “o estudo da passagem ao ato em sujeitos criminosos”. Os apresenta sobre um novo ângulo: a passagem ao ato como resultado de uma lógica própria. Lógica que supõe três momentos vividos por esses sujeitos criminosos: pensar, ver e concluir em relação ao objeto. Trata-se do objeto real da psicanálise, o objeto a, do ponto de vista de sua de extração do campo da realidade, o que significa um corte da realidade. Da orientação lacaniana, a tese se vale em especial do conceito lacaniano do gozo, do gozo Outro na psicose, da presença do empuxe à mulher, com as consequências clínicas. E, ainda, da noção chave e mais original no ensino de Lacan, a “extração do objeto a do campo da realidade”. O estudo de todos os casos contribui para uma atualização, uma nova compreensão do que se denomina como uma ‘teoria psicanalítica das Psicoses’.

Mirta Zbrun

 

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