PSICOSE E SAÚDE MENTAL

Coordenação: Vicente Machado

Co-coordenação: Paula Borsoi

Periodicidade e horário: segundas e quartas terças-feiras de cada mês, às 19h30

Início: 14 de março

O ano de 2017 será especialmente importante para o Núcleo, visto que ele precede nosso Congresso Mundial em Barcelona, em abril de 2018, cujo título gira em torno da psicose ordinária. Daremos sequência à linha de pesquisa já iniciada em 2016, centrada sobretudo nas Conversações francofônicas de Angers, Arcachon e Antíbes, onde nasceu o conceito da psicose ordinária.

No dia 10 de março haverá uma roda de conversa, “As psicoses na saúde pública”, na qual discutiremos os efeitos do “conceito” da psicose ordinária nos serviços públicos, com convidados trabalhadores da Saúde Mental, que nos servirá de norte para a construção de um evento com data prevista para junho, cujo tema será: “Fundamentos da clínica das psicoses: nos 20 anos da Conversação de Arcachon”.

Iniciaremos também um ciclo de conversações virtuais com o Instituto de Santa Catarina, no dia 18 de março.

Bibliografia básica:

Los inclasificables de la clínica psicoanalítica – Jacques-Alain Miller y otros, Paidós.

La psicosis ordinária – Jacques-Alain Miller y otros, Paidós.

PSICANÁLISE E MEDICINA

Coordenação: Adriano Aguiar e Rodrigo Lyra

Periodicidade e horário: primeiras e terceira terças-feiras de cada mês, às 20h00

Início: 07 de março

 

Em 2017 o Núcleo de Psicanálise e Medicina iniciará um programa de pesquisa em torno do tema do próximo congresso da AMP, que acontecerá em Barcelona, em 2018, tendo como título: “As psicoses ordinárias e as outras, sob transferência”.

A noção de psicose ordinária foi lançada por Miller como um convite à investigação, um verdadeiro programa de pesquisa inserido na perspectiva da chamada clínica continuísta. Se a primeira clínica lacaniana era marcada por uma vertente que, tendo o Nome-do-Pai como pivô, estabelecia uma repartição descontínua entre as três estruturas psíquicas (neurose, psicose e perversão), a clínica contemporânea, marcada pelo declínio do Nome-do-Pai e concebida como clínica do nãotodo, nos desafia com o borramento das fronteiras que separam tais estruturas. Segundo Miller, isto faz com que o sintoma se torne a unidade elementar da clínica e não mais a estrutura psíquica.

No âmbito da psiquiatria, orientada atualmente pelo DSM V, a fragmentação dos diagnósticos é um fenômeno galopante, que tende tanto à universalização do enquadramento psiquiátrico, quanto a um distanciamento em relação à lógica psíquica própria a cada diagnóstico.

Miller, ao reconhecer a mutação dos diagnósticos tanto na psicanálise quanto na psiquiatria, afirma que “o que Lacan chamou de sinthoma no fim do seu ensino é a versão lacaniana do que é a fragmentação das entidades clínicas no DSM. Não se trata da mesma fragmentação, mas do mesmo movimento de desestruturação das entidades observado na segunda clínica de Lacan”.

Nosso programa de pesquisa buscará investigar as aproximações e diferenças entre a fragmentação dos diagnósticos na psiquiatria contemporânea e a tendência à evanescência das estruturas no último ensino de Lacan, indagando em que medida a noção de psicose ordinária serve como bússola para a prática clínica contemporânea.

 

 

PSICANÁLISE E DIREITO

Coordenação: Cristina Duba

Periodicidade e horário: segundas e quartas sextas-feiras de cada mês, às 16h00

Início: 11 de fevereiro

Prosseguiremos nossa investigação em torno das questões que atravessam duplamente o campo da psicanálise e do direito, mais especificamente voltados nesse momento para a questão da segregação e do racismo, orientados em nossas interrogações pelos textos de Lacan, Miller, E. Laurent e M-H Brousse.

PRÁTICAS DA LETRA

Coordenação: Ana Lucia Lutterbach e Ana Tereza Groisman

Periodicidade e horário: sexta-feira, quinzenalmente, às 10h30

Início: 10 de março

 

Neste semestre continuaremos a leitura dos capítulos do Seminário 6 de Lacan sobre Hamlet. Reiniciaremos dando continuidade à leitura do capítulo XV do Seminário 6: “O Desejo da mãe”.

Neste semestre faremos uma jornadinha interna para concluir a leitura de Hamlet.

 

CLÍNICA E POLÍTICA DO ATO

Coordenação: Ondina Machado e Heloísa Caldas

Periodicidade e horário: segundas e quartas sextas-feiras de cada mês, às 14h30

Início: 10 de março

Ato e psicose

O próximo Congresso da AMP será em Barcelona, em 2018. O tema já foi lançado: As psicoses ordinárias e as outras – sob transferência. Nossa Unidade poderá contribuir com o estudo do ato e sua incidência na clínica das psicoses. Para isso, propomos o estudo detalhado dos casos reunidos nos livros “Os casos caros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: a Conversação de Arcachon” e “A psicose ordinária”, ambos estão editados em português e contam com inúmeros casos interessantíssimos acompanhados das discussões que se seguiram a cada apresentação. Destacaremos aqueles que apresentam actings e passagens ao ato, mas debateremos também casos das nossas clínicas que nos esclareçam pontos candentes dessa discussão: diferenças e semelhanças entre psicose ordinária e extraordinária, manejos da transferência, desencadeamentos e neodesencadeamentos e outras questões que se impuserem.

Para relembrar nossas bases sobre o ato, iniciaremos o semestre com quatro breves apresentações de capítulos escolhidos do livro Short Story, de Graciela Brodsky.

Importante: Os interessados devem enviar e-mail para ondinamrm@gmail.com explicando o motivo do interesse na pesquisa.

Bibliografia:

Brodsky, Graciela. Short story. RJ: Contracapa, 2004.

____. Loucuras discretas. BH: Scriptum, 2011.

Miller, J.-A. et all. Os casos caros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: a Conversação de Arcachon. SP: Biblioteca Freudiana, 1998.

Miller, J.-A. et all. A psicose ordinária: a Convenção de Antibes. BH: Scriptum, 2012.

A CRIANÇA NO DISCURSO ANALÍTICO – CURUMIM

Coordenação: Maria do Rosário Collier do Rêgo Barros e Maria Inês Lamy

Periodicidade e horário: segundas e quartas terças-feiras de cada mês, às 21h00

Início: 14 de março

 

Quais os trajetos que levam à definição sexual de cada sujeito? Essa questão parece se alinhar à de Freud sobre a escolha da neurose e à de Lacan sobre a decisão insondável do ser, na medida em que nenhuma delas se resolve em respostas rápidas e, ao mesmo tempo, todas nos colocam a trabalho, abrindo caminhos de pesquisa.

Com inspiração no tema do VIII Enapol (“Assuntos de família – seus enredos na prática”), a NR Cereda/BR propõe pesquisar a escolha do sexo por cada criança a partir da incidência das novas configurações familiares e do contexto contemporâneo de diversidade sexual.

A discussão dos impasses surgidos na clínica será fundamental para guiar a leitura dos textos.

 

Comentário sobre “O problema do corpo do Outro”

Arthur Chicralla

O enfraquecimento do Nome-do-Pai acarreta efeitos de desorientação para os adolescentes de hoje em dia. Essa é uma das considerações de J.-A. Miller[1] no artigo “Em direção à adolescência”. Esse enfraquecimento do Nome-do-Pai não significa seu desaparecimento: o que se observa na contemporaneidade é o declínio do patriarcado como principal forma de transmissão do saber e das maneiras de fazer. O discurso da ciência faz deslocar a primazia que a função do pai tivera outrora, destituindo e desgastando registros da tradição que organizavam, entre outros, a família e a sexualidade.

Há, porém, como aponta Miller, uma tradição que não se abalou pelo discurso da ciência: o islã. Mais do que isso, o islã chega ao “mercado” do Ocidente, de forma acessível e atrai a aderência de adolescentes e jovens, pois representa o discurso que melhor organiza o laço social sobre a não relação sexual. Ao contrário do cristianismo e do judaísmo, o islã o não foi riscado pelo discurso da ciência e estabelece na sua lógica as coordenadas de como deve ser um homem, uma mulher, um pai, uma mãe, etc.. O islã seria até uma boia de salvação recomendável, comenta o autor, para os jovens à deriva devido a referências simbólicas frágeis, se não fossem seus desvios, como por exemplo, o fundamentalismo do Estado Islâmico.

O problema do corpo do Outro é o último item deste artigo de Miller e traz uma questão importante sobre a formação de grupo neste contexto: se o laço entre os membros não se dá a partir de uma ilusão de um gozo do corpo do Outro. Para introduzir tal questão, Miller apresenta uma ruptura de perspectiva da Psicanálise de Freud a Lacan. Em “Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud[2] estabelece uma transição do gozo autoerótico à satisfação copulatória, que gera uma ilusão de que se goza do corpo do Outro. Com Lacan, o gozo se situa tão somente do lado do próprio sujeito – goza-se do próprio corpo ou de suas fantasias. A questão de Miller é sobre grupos que possivelmente se formam, não por uma identificação de seus membros ao ideal do eu, mas pela ilusão de um gozo comum que dá corpo ao Outro.

Neste sentido, o islã, e mais precisamente o Estado Islâmico, possui grande êxito neste tipo de grupo corporificado a partir do gozo do Outro. Para Miller, estabelece-se uma nova aliança entre identificação e pulsão, que não segue a lógica por exemplo do cristianismo, no qual há a dialética constituinte pai-filho que insere a Lei e um sujeito dividido. No Estado Islâmico a inscrição do sujeito se dá por outra via: não há fascinação pela causa perdida. Enquanto no cristianismo a pulsão de morte encaminha para a castração do próprio sujeito, no Estado Islâmico a pulsão de morte está a serviço da morte do Outro, o que conduz Miller a nomear esse desvio de narcisismo da causa triunfante.

Tal discussão retoma um trabalho anterior de Miller[3] que trata da questão do racismo – tema também levantado por Lacan[4]. Raça neste sentido corresponde ao efeito do discurso para circunscrever aquele que goza de um modo diferente do sujeito, ou seja, extrapola a questão imaginária da etnia, religião, nacionalidade, etc.. O racismo é o ódio ao modo de gozar do Outro. Porém, tem que se destacar que gozo do Outro possui relação êxtima com o sujeito, isso quer dizer que no próprio gozo do sujeito há uma parte de inassimilável, de alteridade.

En el racismo, por ejemplo, se trata precisamente de la relación com un Otro como tal, un Otro pensado en su diferencia. Y no parece que todos los discursos generales y universales sobre el todos somos hombres tengan alguna eficacia en esta cuestión. Porque en el racismo se trata de un odio que se dirige precisamente hacia lo que funda la alteridad del Otro, hacia el goce del Otro. Me parece que esto se ve a través de la experiencia analítica. Ninguna decisión es suficiente para borrar el racismo, dado que este se funda en este punto de la extimidad de Otro. No se trata solo de agresividad imaginaria, que se dirige al semejante. El racismo es lo que se puede imaginar del goce del Otro, es el odio a la forma particular, propia, que tiene el Otro de gozar. Se puede pensar que el racismo existe porque el vecino islámico hace demasiado ruido con sus fiestas, pero lo que está verdaderamente en juego es que obtiene su goce de un modo distinto que nosotros. Quizá la televisión le interesa menos y prefiere gritar un poco.[5]

Engendrar o laço social num corpo fraterno que busca situar o gozo do Outro num campo externo e nomeável, para extirpá-lo, é um fenômeno contemporâneo bastante notável.

Trazendo o problema para a realidade brasileira, destaco a aderência de jovens às facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas, principalmente nas grandes cidades. Sérgio Laia[6] faz uma importante comparação entre os jovens jihadistas franceses e os “meninos do tráfico” no Brasil. Focarei aqui apenas nas proximidades dos grupos para articular adolescência com a temática do racismo. Em ambos os grupos citados, há um enlaçamento da juventude em torno de corpos que se constituem como irmandade e se colocam em oposição a outros corpos. Cria-se uma união dos membros que se escora por uma função de fraternidade ou família, onde se impera a vontade de gozo mortífero. É pelo gozo, pelo modo de satisfação, que operam essas conexões e não pelas referências simbólico-identificatórias, daí o ponto que converge à questão da segregação.

O racismo, então, se apresenta quando nosso desvairado modo de satisfação procura se orientar rejeitando as formas diferentes (ou mesmo desconhecidas) de o Outro se satisfazer. Por exemplo, em nome do que gozamos como o Bem ou a Democracia (à la Bush ou, de modo menos truculento, Obama), países islâmicos são puramente identificados como o Mal e destruídos; visando garantir nosso gozo da ‘segurança pública’, as ‘Comunidades’ são invadidas para o ‘combate ao tráfico’.[7]

A adolescência, portanto, ganha relevo nesta discussão por ser esse momento lógico em que o sujeito é impelido a buscar Outros corpos para sua satisfação sexual e identificação. Segundo Laia, o desvario desses sujeitos tende a tomar proporções cada vez mais intensas, já que, atualmente, por consequência dos efeitos da globalização, as coordenadas do Outro não possuem contornos tão palpáveis.

Para finalizar, cito Éric Laurent[8], que ao falar sobre o tema, nos adverte da ineficácia de reduzir o fenômeno a uma questão de ideal. O gozo é o eixo que perpassa esses grupos e qualquer tentativa supostamente especializada, para tratar esses jovens, baseada num viés moralista ou de ideologia tende ao fracasso. A experiência de gozo é o que deve reverberar quando se tem a oportunidade de ouvir esses sujeitos, sendo a fala instrumento precioso no dispositivo ético.

Por essa razão, os falsos debates construídos em torno de retirar esses jovens dessa via de perdição, no sentido de tentar desradicalizá-los e falar-lhes de outro ideal de vida parecem falhar, precisamente, quanto à experiência de gozo fundamental. De fato, seria muito mais pela via da arte, pelas paixão dos grupos de arte, ou seja, a paixão de falarem juntos,  vivida não com um tipo de fala à maneira dos protestantes, dos alcoólicos anônimos ou confessando seus pecados etc. Não. Vivida como paixão de poder exteriorizar, digamos, extrair do corpo todas essas palavras, toda essa angústia de viver que os precipitou nesse tipo de solução. Ao contrário, é a fala como arma de combate que deve ser praticada. É uma fala que também deve ser carregada de emoções e afetos, tal como são essas experiências de vida narco.[9]


[1] MILLER, J.-A. “Em direção à adolescência.” Em: Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n.72, março de 2016, São Paulo: edições Eólia, p. 20-30.

[2] FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Em: ______ Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980.

[3] MILLER, J.-A. Extimidad. Buenos Aires. Paidós, 2010.

[4] Ver LACAN, J. Televisão. Em: _______ Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

[5] MILLER, J.-A. op. cit. p.221

[6] LAIA, S. Os jovens daqui e os do Estado Islâmico: proximidades e diferenças. Em: CALDAS, H. BEMFICA, A. e BOECHAT, C. (orgs.) Errâncias, adolescência e outras estações. Belo Horizonte: Editora EBP, 2016. p. 147-155.

[7] Ibid. p. 149.

[8] LAURENT, É. A fala não é um semblante: entrevista com Éric Laurent, por Marcus André Vieira. Em: CORREIO – São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise – n.79, 2016. p. 37-41.

[9] Ibid. p. 41.

A dimensão da angústia no mal-estar atual: quando o excesso desorienta

Maria do Rosário Collier do Rêgo Barros

 Partirei de uma pergunta: por que o excesso, quando insiste, nem sempre dá lugar a angústia como sinal, que orienta o sujeito, mas deixa-o entregue à destruição da pulsão de morte? O excesso incide com seu potencial destrutivo, quando não oferece o prazer esperado, e o que falha não consegue se inscrever como falta que simboliza um diferencial e alimenta o desejo. Ele se torna compulsão na medida em que fixa o sujeito em um gozo experimentado como dano, pois a satisfação esperada não foi possível de ser encontrada. O fracasso da satisfação, sempre traumático, pode deixar o sujeito apegado a um gozo que não consegue ser negativizado, nem se inscrever na cadeia significante.

  O fracasso da satisfação esperada, que não se inscreve no simbólico, permanece como um real opaco, acontecimento de corpo  que incide como devoração: e a angústia que aí desponta, ao não ser escutada como tal, desorienta. Encontramos em nossa clínica sujeitos à deriva, sem que possam sequer nomear o que os invade, senão através de etiquetas que os colocam no mercado de consumo das ofertas de medicamentos e de tratamentos especializados.

 Há crianças e adolescentes que recebem do sistema educativo, médico e psicológico etiquetas, tais como hiperatividade, déficit de atenção, autismo, que reforçam as modalidades encontradas por elas para evitar a angústia, ou seja, evitar o ponto de opacidade de um acontecimento de corpo que não conseguiram decifrar e que as aterroriza. Quando a angústia não se constitui como sinal, incluindo o Outro ao qual se dirige, insiste sem destinatário e as patologias do ato ou a paralização pela inibição fazem um curto circuito impedindo que a angústia cumpra sua função de permitir articular o gozo ao desejo.

 Como ler o sintoma no mal-estar atual levando em conta sua dimensão de evitação da angústia? Se o sintoma é sempre a marca de um fracasso, na medida em que não eliminará nunca a falha da qual a angústia é sinal, como o fracasso pode ser acolhido de forma a se constituir como mola que cumpra a função da angústia de articular gozo ao desejo? Então, podemos dizer que ler o sintoma da criança no mal estar que ela dirige ao analista, consiste em abrir um espaço para suas construções e acompanhar nelas sua forma de responder por uma falha que ela não pode nem eliminar e nem preencher com sua resposta, o que pode instaurar a dimensão separadora do sintoma, e assim abrir novos caminhos na relação do sintoma com a angústia, dando a essa última um tratamento que não seja um obstáculo ao surgimento do desejo.

A procrastinação na adolescência e sua relação com o Discurso Capitalista

Marcia Müller Garcez

Temos esmiuçado o texto de Jacques-Alain Miller (2015) ‘Em direção à adolescência’ na Unidade de Pesquisa Clínica e Política do Ato, além de articulá-lo com outras leituras. O texto é uma proposta de Miller como orientação de trabalho para a Jornada do Instituto Psicanalítico da Criança, mas acaba por abarcar e contagiar toda a nossa comunidade psicanalítica, incluindo o próximo Encontro Brasileiro, intitulado ‘Adolescência, a idade do desejo’.
Um recorte do referido texto e que foi trabalhado por mim, em nossas discussões, diz respeito à procrastinação na adolescência. Após discorrer sobre a adolescência enquanto uma construção e toda a controvérsia que a sua definição implica, Miller circunscreve o campo da psicanálise e o que este já se ocupa em relação à adolescência logo de partida, a saber: a saída da infância; a diferença dos sexos; e a imiscuição do adulto na criança. Partimos então, para o que ele vai apontar como novo na adolescência, e consequentemente para a psicanálise, e que decorre de uma mutação na ordem simbólica. Esse novo apontado por Miller implica: uma procrastinação; uma autoerótica do saber; uma realidade imoral; uma socialização sintomática; e um Outro tirânico. Esses cinco aspectos são articuláveis entre si e optei por destacar o discurso da atualidade, a relação de consumo e o elemento pressa – que parece paradoxal à procrastinação. Se pensarmos a pressa a partir da dinâmica do discurso capitalista, proposto por Lacan, podemos seguir as pistas deste paradoxo pressa x procrastinação. Cabe então, fazer uma passagem rápida pela ideia dos discursos em Lacan.

Os quatro discursos
O primeiro dos discursos a ser explorado por Lacan (1992 [1969-70]) foi o do mestre, apoiado na teoria de Hegel, a partir da dialética do senhor e do escravo. O senhor dirige-se ao escravo, pois é ele quem detém o saber. Ele é essencial para a articulação dos demais e é considerado também como o discurso do inconsciente, pois o comanda, tratando de buscar um saber que escamoteie a verdade do sujeito e renuncie ao resto. Se fizermos um quarto de giro no discurso do mestre, vamos encontrar o discurso da histérica. A problemática apontada por Lacan é que o saber não-todo que o discurso do inconsciente ou do mestre tenta encobrir é justamente aquilo que escapa, o que pode produzir a causa de desejo fazendo com que o funcionamento falhe. É o discurso histérico que fará a passagem da resposta cristalizada do discurso do mestre para a abertura à pergunta sobre o desejo. Uma passagem do enunciado à enunciação.
Ao fazermos mais um quarto de giro nesses esquemas construídos por Lacan, passamos do discurso da histérica, para o discurso do analista, que denota o que ocorre na atividade clínica. Ele muito nos interessa pelo fato de representar o avesso do discurso do mestre, sendo o que pode oferecer uma barreira ao discurso contemporâneo.
O quarto discurso proposto por Lacan, o universitário, situa o saber como agente, como um pretenso saber todo, que produz sujeitos, cuja divisão é desconsiderada. O aluno como objeto a é um produto, sendo aquele que nada sabe e para o qual o saber se dirige.

Discurso Capitalista e procrastinação
Após ter elaborado a teoria dos discursos, Lacan formula a quinta modalidade, uma variação do discurso do mestre conhecida como discurso contemporâneo ou do mestre moderno: o discurso capitalista. Primeiramente, ainda enquanto teoriza sobre os quatro discursos, ao final do Seminário 17, Lacan situa o discurso universitário como o do mestre moderno (p.195). Em 1972, numa conferência em Milão ele o nomeia de capitalista e apresenta seu esquema. A grande novidade desse discurso é que todos os elementos são articulados apresentando uma nova dinâmica, a partir de uma organização – ou reorganização – das flechas.

Observando o movimento das flechas, percebemos a dinâmica capitalista que denota a relação direta do sujeito contemporâneo com os objetos de consumo, em um acesso imediato. Notamos também que, em relação ao discurso do mestre, a variação se encontra na inversão do lugar do agente e da verdade. O sujeito ($) com suas faltas, dividido, demanda ao significante-mestre (S1) que imediatamente se dirige ao saber (S2), o qual produz os objetos a serem ofertados ao sujeito recomeçando o ciclo, produzindo uma infinitização.
Esses objetos são os gadgets que vemos pululando na contemporaneidade. Se acompanharmos as flechas, vemos um movimento infinito, tal como o afirma Aflalo (2008): “produz-se, então, um trajeto de ida e volta em torno de um gozo perdido” (p. 83). Com este último discurso apresentado, esbarramos no grande paradoxo da lógica capitalista na atualidade: diante da oferta incessante do mestre moderno, algo precisa ser produzido, a fim de suprir a falta, com uma pressa para que a angústia não possa emergir; ao mesmo tempo, o excesso de produção e seu transbordamento de gozo acarretam dificuldades discursivas, que podem ser testemunhadas nas precariedades simbólicas, típicas do século XXI. É uma nova modalidade de discurso que não apresenta apenas uma variação do discurso original – do mestre ou do inconsciente – no intuito de evitação do real, mas demonstra uma organização de ofertas e demandas aceleradas e que na adolescência podemos fazer a leitura como um “prolongamento da adolescência” apontado por Miller (2015).
É essa mesma velocidade que indica o outro ponto tratado como novo no texto ‘Em direção à adolescência’, que é a autoerótica do saber. O saber não é mais o objeto do Outro, não há mais negociação, o saber está no bolso e de imediato, nessa mesma lógica de consumir e consumir-se. Não há mais relação com o Outro que passa a ser tirânico, e esse leque resulta na socialização sintomática. Todos esses aspectos que indicam o que é novo na adolescência – e para a psicanálise na relação com ela – parecem partir da procrastinação que se dá na contrapartida da pressa que escamoteia o real de uma passagem para o que seria uma vida adulta.

Referências:
AFLALO, Agnès. Discurso capitalista. In: Scilicet: os objetos a na experiência psicanalítica, AMP, Rio de Janeiro: Contra Capa, p. 83-86, 2008.

LACAN, Jacques. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992 [1969-70].

MILLER, Jacques-Alain. Em direção à adolescência. Minas com Lacan, 2015. Disponível em: http://minascomlacan.com.br/blog/em-direcao-a-adolescencia/

Sobre a Unidade de Pesquisa Clínica e Política do ato

Por: Leonardo Miranda

Este texto é fruto das discussões realizadas na Unidade de pesquisa Clínica e Política do Ato, tendo como proposta para esse ano de 2016 pensar o tema da adolescência. Através das apresentações de Fred Chamma e André Spinillo da terceira parte dos “Três ensaios sobre assexualidade” (FREUD, 1905) introduzimos a discussão sobre as questões que envolvem a puberdade seguindo a indicação do texto de Miller “Em direção à adolescência” (MILLER, 2016). Ainda na primeira parte do texto de Miller nos deparamos com a seguinte frase que nos convocou à pesquisa: “É   também   o   momento   de   se   levar   em consideração,   dentre   os   objetos   do   desejo,   o   que   Lacan   isolou   como   o   corpo   do Outro”. Neste momento, visando um aprofundamento desta parte destacada, Heloisa Caldas propôs que Ondina Machado apresentasse os trechos de sua tese intitulada”A clínica do sinthoma e o sujeito contemporâneo” (A tese toda está em www.ebp.org.br) onde trata sobre o corpo do Outro, como o trecho a seguir:

“Sujeito do significante e sujeito do gozo são as duas vertentes da insígnia. Essa duplicidade, todavia, pode ser aplicada também ao conceito de Outro. Este Outro é o lugar do significante. Mas Lacan também o define como corpo enquanto deserto de gozo.” (ONDINA, p.76)

Ondina comenta que o corpo para a psicanálise é uma substância de gozo. O corpo para psicanálise não é corpo enquanto não incide nele o significante. Sempre tem um dito que fixa o modo de gozo. Como é um dito que incide sobre o corpo? A gente não lida com o corpo antropológico, nem com o ontológico, nem com o corpo biológico, o corpo com o qual lidamos é uma substância gozante. Ele não é uma abstração, não está no mundo das ideias, mas também não é um corpo como matéria, como organismo, tampouco é o corpo da existência, do devir. Ele não é corporal, mas também não é incorpóreo, é  o corpo como o lugar do Outro porque nele (corpo) que está a marca do significante (incorporal). O corpo é uma substância gozante porque é atravessado pelo significante. É neste sentido que o corpo é sempre o lugar do Outro, lugar de um dizer.

Puberdade não coincide com a adolescência, esta última pode ir mais longe, até mesmo à vida adulta. As metamorfoses do corpo na puberdade convocam o sujeito a se reposicionar diante do Outro. A forma (imagem) do corpo muda e os antigos dizeres sobre si não servem mais para situá-lo no Outro da família, da cultura. Seu corpo ocupa um espaço diferente e à sua fala passam a ser atribuídas consequências inéditas (brincar de médico, masturbação, namoro). O Outro sexo o convoca a manifestar seu desejo com palavras e com o corpo. Aqui o Outro sexo é qualquer corpo que não seja o seu. A mediação entre dois corpos (que só como corpo corporal não existem) é feita pela fantasia, pois é ela que vai conectar o sujeito a seus objetos. O corpo do semelhante não trás problema, é o corpo no qual incidem as marcas do Outro que é o problema, o que se produz quando esse dizer incide no corpo e faz dele Outro para o próprio sujeito.

Prosseguindo com as apresentação do texto de “Em direção à adolescência” (MILLER, 2016) discutimos sobre a diferença entre os sexos na adolescência, tentando pensar as diferenças precoces apontadas por Freud e destacadas por Miller. Levantamos algumas formas atuais de expressão como os blogs, tentando ver o que cada sexo posta pela internet e verificar se ainda valem as ideias de que a menina tende à inibição e ao recalque, demonstrando um amadurecimento precoce, enquanto o menino teria uma tendência a se manter infantil sexualmente. Camila Drubscky conta sobre o caso de uma jovem que não demonstra em nada esta inibição, pelo contrário, se mostra muito desinibida quanto ao sexo. Camila se prontificou a escrever o caso e trazer para discussão.

Paralelamente  foi indicada a leitura  de um caso publicado em um livro organizado por Éric Laurent*, que passou a orientar nossas discussões fazendo um contraponto com o caso mencionado por Camila.

Continuamos a discussão do texto do Miller na parte em que ele trata da imiscuição do adulto na criança. Levantamos a hipótese do adulto funcionar como um ideal para a criança, usando como exemplo a passagem que Miller conta sobre sua neta, que está no “Prólogo para Damásia”**. A menina disse que não acreditava mais nem em coelhinho da Páscoa nem em Papai Noel, mas manteria esta tradição quando tivesse seus filhos. Há um lugar para a criança, mas na perspectiva de tornar-se um adulto. É a partir disso que podemos pensar na imiscuição do adulto na criança, não como exigência, mas como ideal. Assim poderíamos entender a adolescência como tempo para compreender as transformações da puberdade. Traçamos algumas distinções preliminares sobre o ideal do eu e o eu ideal, situando o primeiro na via do simbólico e dirigido ao Outro e o segundo na via imaginária do querer ser, que daria margem à formação das fratrias, tribos, grupos. Este assunto foi aprofundado por  Sandra Landim que nos apresentou suas articulações, retiradas do Esquema R de Lacan, em paralelo com as primeiras leituras do caso clínico “Otra marca posible”*.

Sandra Landim apresentou o esquema R de Lacan, como está no texto “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” (LACAN, 1959. p. 559) para falar do narcisismo e de como ele faz surgir o ideal do eu e o eu ideal. A partir da apresentação da Sandra discutimos sobre se o ideal hoje ainda orienta escolhas e atos, questão importante para este período da vida e para pensar a passagem ao ato.

Márcia Muller comentou sobre a tendência à procrastinação, levantando questões sobre o mundo atual e a multiplicidade das opções possíveis como facilitadora da procrastinação, a se adiar um momento de concluir da adolescência. Márcia deu também destaque ao modo como os jovens lidam com o saber atualmente, à influência do Google e à expressão de Miller de que “osaber está no bolso”. Ao pular o Outro, como fonte do saber, a teoria do complô ganha relevo respondendo à desidealização do Outro e a forma degradada e nociva que surge quando se evoca o Outro como saber ou como ordem.

Rejane Nunes tratou das mutações na ordem simbólica fazendo alguns paralelos com a Saúde mental. Perguntou-se se o enfraquecimento do simbólico corresponderia ao que se passa na psicose.

Camila Drubscky comentou um momento em que Ondina teria chamado atenção para a importância que a dor tem no processo da tatuagem. Diferente de épocas passadas, atualmente, não se estabelece tanto uma relação entre a figura tatuada e uma historia/cena da vida do sujeito. O que tem aparecido com maior frequência  é  a valorização da dor. Daí a possibilidade  de pensar a tatuagem como uma tentativa de constituir um corpo, fazer corpo quando as bordas do corpo estão imprecisas.

 * LAURENT, É. y otros. Cuerpos que buscan escrituras. Buenos Aires: Paidós, 2014. Os textos são: apresentação do caso – “Caso 1- Otra marca posible” e Discussão sobre o caso 2. Caso 1 “El impulso a cortarme” o hacer magia”.

** Freda, Damasia Amadeo de. “Prólogo para Damasia”. In: El adolescente actual. Nociones clínicas. San Martin: Unsam Edita, 2016

Bibliografia:

FREUD S. “As transformações da puberdade” (1905). In: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, parte III. ESB, volume VII. Acessível por: https://www.passeidireto.com/arquivo/4156685/freud—ensaio-iii—as-transformacoes-da-puberdade-1905

LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998

LACAN, J. (1974/2003) “Prefácio a ‘O despertar da primavera’”. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, pp.557-559.

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