Tag: mal-entendido

Comentários sobre o Eixo 4 da Manhã Clínica das XXIV Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP-RJ

Os trabalhos apresentados na manhã clínica pelo eixo 4 nos convocou a pensar o mal-entendido do corpo “tomado como objeto, artefato ou mecanismo, em suas partes”. Nos encontramos, assim, com os impasses da clínica cotidiana, nos mais diversos dispositivos, o que nos trouxe uma dimensão importante da psicanálise em sua conexão com a cidade. Seja em ONG’s, na Saúde Mental, no Hospital, na Internet, nos esportes, ou até mesmo no consultório particular, a discussão suscitada pelos trabalhos apresentados circulou pelo que há de mais íntimo à prática psicanalítica: o encontro.

O que ocorre quando um sujeito encontra um analista? Ou ainda melhor, o que ocorre quando um analista supõe um sujeito? Haveria um mal-entendido também aí? Onde a psicanálise, encarnada pela presença de um analista convoca um sujeito a advir onde ele já não é mais quase suposto? Seja por demanda própria ou pela contingência institucional?

Os trabalhos apresentados apontaram as encruzilhadas institucionais em suas dimensões de lugares de resposta, e muitas vezes, resposta social à problemas tipicamente clínicos,  como também apontaram para a questão da disponibilidade do analista em ouvir, mas não só. Pois sabemos que para além da demanda ha desejo.

Esses corpos adoecidos ou doloridos, atletas ou obesos, infantis, toxicômanos, estão mal-entendidos nisso que Laurent chamou de “delírio da normalidade”. Nomeação que nos remete às urgências, usos e ideais que irrompem à partir desse corpo e que o atravessam e o marcam. Corpo que vêm à clínica, falado, estranhado, condenado, questionado, numa época em que, franqueados pelo discurso médico/científico, os imperativos superegóicos parecem prevalecer na ordem do dia, apontando toda a sorte de condutas e soluções que implicam diretamente esse mesmo corpo.

A presença do analista, no avesso dessa maré, vem apontar que há furo, ou ainda, que é preciso haver furo nessa produção maniaca de saberes ideais. Ali onde busca-se evitar, encobrir, solucionar, o mal-entendido do corpo, o analista o escuta, sublinha, o põe a trabalho numa lógica que é outra.

Se propõe a fazer coisas num movimento oposto ao da mania contemporânea, se dá ao artesanato de fazer a coisa psicanalítica insistir.

Como apontou a mesa – Ressonâncias do Corpo Hoje – o analista está na cidade e trabalha com essa dimensão do invisível, do impossível, que não cessa de se inscrever. ‘É convocado a um fazer, que dialogue com os discursos de nossa época’, e a recolher no um a um da clínica seus efeitos e desdobramentos.

Andrea Marcolan (Fundamental 2014) e Maira Dominato Rossi (Fundamental 2014)

Comentários sobre o Eixo 2 da Manhã Clínica das XXIV Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP-RJ

Os trabalhos apresentados no Eixo 2 da manhã clínica nos permitiram tocar importantes questões em torno dos Usos do corpo. O que chega à clínica hoje se tornou sensível nas três mesas que compuseram o eixo: que uso fazer desse corpo, muitas vezes estranho, monstruoso, sempre submetido ao movimento pulsional, que não vem com manual de instruções? Como se servir dele? Seja na montagem de um corpo de mulher, no funcionamento de um corpo de homem ou mesmo nos casos em que esses limites não estão em jogo, observamos sujeitos às voltas com suas tentativas de encontrar recursos para lidar com o mal-entendido. O que pode a psicanálise operar nesse ponto?

Nas saídas pela neurose o mal-entendido do corpo aparece como radicalidade na impossibilidade da relação. Há sempre Outro que guardaria a verdade sobre o uso correto do corpo e da satisfação do parceiro, como se a concordância entre identidade e imagem corporal se passasse pela via pedagógica. Para tanto, vemos tentativas frustradas de reunir pedaços dos corpos de outros e, com um desenho ideal, fazer existir a relação sexual. Aqui, a fala em análise pode fazer furo nessa crença, pausa na busca desenfreada pelo ideal e pela completude.

Nas psicoses, por outro lado, onde os pontos de apoio e referência são escassos, é preciso boa dose de criatividade para sustentar-se no discurso. Em mundos onde tudo escapa ou onde tudo é cheio, sem furos, encontramos saídas que podem afastar do real da relação, mas que permitem a construção de semblantes para fazer circular estes corpos. O analista, por vezes, poderá servir de apoio com seu próprio corpo: vimos propostas de parceria onde a voz ou o olhar podem operar como molduras para os corpos destes sujeitos, recursos simbólicos encontrados para moderar a angústia.

De todo modo, no trabalho de análise, seja no sentido de operar cortes ou amarrações, é possível inventar formas de sustentar-se frente ao olhar do Outro para valer-se daquilo que, no corpo, escapa. “Nunca se é aquilo que se tem” -, nos disse Marina Recalde em sua conferência na sexta-feira – mas para que esse corpo não se apresente totalmente à deriva, à revelia do sujeito, é importante poder modular “algo do corpo que não se deixa capturar”. Nos casos clínicos apresentados pudemos ler o trabalho dos analistas neste sentido. Cuidadosamente comentados, os casos convergiram para a discussão sobre a importância da hipótese diagnóstica. Concluiu-se que é essencial sustentar essa discussão e seus impasses, sem renunciar a ela, pois a direção do tratamento não está desarticulada dos usos do corpo que poderão surgir em cada caso.

Marina Sereno (Turma 2015)

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén