O que seria uma mesa de discussão se torna uma instigante meia roda de conversas e questionamentos com o tema “A obra prescinde do artista”. Fomos apresentados a obras de Adriana Varejão, iniciando, assim, uma discussão acerca das articulações entre psicanálise e arte. A própria construção da identidade visual da jornada traz “Trois petites morts”, três muros brancos e limpos invadidos por cortes e feridas. Feridas estas que aparecem nas demais obras acompanhadas de manchas de sangue ou representadas por pedaços de carne, vísceras à mostra. O furo, no que estava coberto e velado por um muro, um revestimento de azulejos retos, brancos e limpos, nos remete à pele enquanto algo que vela o vivo e real de nosso próprio corpo. Ana Lucia Holck fala do azulejo branco como a pureza que reveste o vivo, representado pelas feridas.
Ao contrastar horror e belo através de sua arte, Varejão nos causa. Como disse Andréa Vilanova: “fratura nosso olhar e perturba nossas defesas”. A conversa girou em torno da impossibilidade de uma obra de arte representar o real, ainda que o possa presentificar em alguma medida. A obra que resiste a ser capturada por uma fotografia, apesar de não representar o real, é capaz de ressoar algo em seu espectador no momento do encontro. É certo que este encontro é marcado por algo de opaco, um infinito que os olhos não podem captar, mas este próprio inalcançável seria o mal-entendido que nos acompanha sempre em nossa jornada. Isso porque a arte toca um ponto de desconhecido em nós mesmos que remete ao desejo, suscita algo de um impossível de ser colocado em palavras.
As partes destruídas de um muro dando vazão às vísceras de um corpo vivo, corpo despedaçado e fragmentado. Pedaços de carne colocados em belas pinturas clássicas. A invasão de uma carne sem sujeito, carne desvelada pela pele. Manoel Motta traz a possibilidade de a arte contemporânea denunciar a pintura enquanto véu, dar fim a um espetáculo inaugurando na arte, porque não, uma nova ética e uma nova estética. Para Cristina Duba, esse movimento de desconstrução da arte contemporânea pode estar ligado a uma função de apaziguamento, pois, ao se deixar ferir, a obra de arte dá lugar ao furo, ao sem sentido, à opacidade do real.
Os muros então, que teriam a função de, assim como cortinas, servir de véu separando dentro e fora, o que está na frente e o que está por trás, são denunciados como puro semblante na medida em que, citando Stella Jimenez: “o horror não está nem dentro e nem fora, está no espaço impossível, entre as duas pedras do azulejo, como se fosse entre a pele e a carne”. Cabe então a nós, espectadores, nos deixarmos causar, ensinar e surpreender pela arte que se abre ao lugar do enigma e do espanto, assim como o faz a psicanálise.
Bárbara de Queiroz Sousa (Turma 2015)