de Éric Laurent

 

A partir do trabalho desenvolvido por Jacques Alain Miller sobre a última etapa do ensino de Lacan, Éric Laurent nos traz neste artigo contribuições em torno do tema da segregação. Um dos fios condutores é a frase antecipatória de Lacan, que afirma que “nosso futuro de mercados comuns encontrará seu equilíbrio numa ampliação cada vez mais dura dos processos de segregação”.

Hoje já não estamos mais nos “sonhos do mercado comum”, mas no porvir dos fracassos desses mercados. Somos, no entanto, confrontados com os efeitos de um humanismo da ciência, aquele provocado pela sua universalização, que crê num universo globalizado e sustenta um absurdo lógico ao querer que o Outro seja um igual, sonhando obter uma uniformização, especialmente uma uniformização do gozo. Esse humanismo, como nos lembra Laurent, se desorienta por completo ante o real do Outro, frente ao qual a ciência não diz nada, não é útil para a relação sexual.

Se é possível explicar um vasto campo do fenômeno da segregação ao invocarmos causas econômicas, sociais e geopolíticas, a contribuição psicanalítica acrescenta outra dimensão de leitura, a de um resto que se poderia chamar de causas obscuras da segregação. Nessa direção, Laurent retoma a trilha de Lacan a Freud, onde o primeiro lê na Ausstossung freudiana a primeira expulsão de gozo, a separação entre qualquer instância subjetiva e o gozo. Este odiar-se a si mesmo, no sentido de odiar seu gozo que é expulso, localiza o ódio no campo do Outro, o ódio ao gozo do Outro, ou seja, à maneira particular segundo a qual o Outro goza. Situa-se aí a lucidez psicanalítica, avisada de que, portanto, não se pode garantir nenhum equilíbrio no sistema de poder. Este é fundamentalmente instável, criando seus modos de tratamento do impossível do gozo e suas segregações.

Laurent observa igualmente a maneira pela qual as burocracias procuram operar sobre o gozo com a ciência. Menciona as burocracias sanitárias e o modo como a biopolítica, ou indústrias farmacêuticas, procuram dar uma solução a um sistema de operação sobre o gozo. Frente a isto, a tarefa inclui levar em conta precisamente o irredutível do gozo, ali onde ele faz cada vez mais obstáculo nos modos segregativos.

Tatiana Grenha

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