No último encontro do Núcleo de Psicanálise e Direito, Carlos apresentou um resumo de sua dissertação.  Sua apresentação sob o título “Kakon: passagem ao ato e responsabilidade na psicose”,  foi dividida em cinco partes: na primeira desenvolveu o fenômeno do kakon à luz da economia libidinal e do mal-estar que o caracteriza desde as primeiras definições na historia da psiquiatria – passando por Esquirol, Guiraud e Cailleux, Clerambault até os comentários de trabalhos mais recentes, como Maleval e Tendlarz. Constituindo um dos núcleos destes desenvolvimentos, a ideia de crime imotivado além da crítica de Lacan a estas leituras, iniciada já em “Agressividade em psicanálise”.

A segunda parte tratou da “Psicose, gozo e mal-estar: o objeto a no bolso”, com destaque para os conceitos de separação, extração do objeto,  além de temporalidade e causalidade. Na quarta parte o autor entrou na questão da “Passagem ao ato: inscrição da diferença”, abordando diversas dimensões da passagem ao ato enquanto operador de inscrição de diferença tais como a subtração de gozo e a emergência do “novo”. Dentre outras passagens sobre a separação do objeto, Carlos destaca a lição “A voz de Javé”, do seminário A angústia, onde o som do chofar “presentifica um objeto… uma separação junto ao corpo”, e uma primeira negativização do objeto subtraído ou “passado ao ato”.

Além da bibliografia, Carlos apresentou também nesta parte, pequenas vinhetas ilustrativas de sua experiência própria com a clínica de psicóticos ou loucos envolvidos em assassinatos. Segundo o autor, depreende-se daí que “aquilo que retorna sobre o louco privado da possibilidade de subjetivação, pode ser tão ou mais prenhe de horror que a experiência mesma”.  Lembra ainda que “na contramão da querela pericial, Maleval complementa… uma conclusão: não basta curar, é preciso elaborar a culpabilidade, encontrar meios para reparar o crime, investir em novos objetivos na existência”.

Na quinta parte, “Rumo à responsabilidade”, Carlos recompõe os argumentos de Lacan desde a década de 50 em seu debate com a ciência contemporânea, assim como o debate da relação entre responsabilidade e punição. Descreve a concepção de assunção lógica ou assentimento subjetivo, afirmando que estas noções implicam “que o psicótico aloje um lugar para o ocorrido”. Destaca que já em Freud encontra-se uma proposta de “um ponto de junção entre terapêutica e ética”, p. ex. em casos de sonhos cruéis que devem ser admitidos como produção própria pelo autor do mesmo.  E ainda, encontra em Lacan, no seminário O sinthome, a seguinte referência sobre o mesmo tema: “Não se é responsável senão na medida de nosso savoir-faire”, a ser lido, segundo ele como o sujeito deve comparecer no inconsciente “colocando algo de si”, (a despeito) de sua determinação inconsciente (e do) formalismo que esta implica. O que pode também ser colocado em termos do “onde isso era, como sujeito, devo advir”.

A discussão teve início com um comentário de Manoel acerca de trabalhos de Celso Rennó, J.-A. Miller,  Pierre Naveau e Maleval. Em especial, a equivalência proposta por este último, entre o kakon, a pulsão de morte freudiana e o objeto a de Lacan, para situar a passagem ao ato. A seguir, afirma que a passagem ao ato só é uma extração de objeto no caso do ato do psicótico. Caso contrário, constitui uma tentativa de simbolização de modo selvagem, não podendo ser considerada uma via terapêutica.  Pergunta como Carlos chegou a isolar o kakon do gozo, ao afirmar que “o kakon não é um problema de gozo…”.

Outras questões se seguiram à de Manoel. Mirta, partindo do encadeamento (passagem ao ato homicida – subtração de gozo – inscrição no real), coloca uma questão sobre o que é que se inscreve nessa passagem ao ato. Pergunta ainda se ele concorda que, considerando que seja possível pensar o id freudiano como um kakon, poder-se-ia considerar também um objeto como uma anterioridade lógica da linguagem – citando a foraclusão do gozo oral milleriana – e que a passagem ao ato tocaria esse puro objeto, um gozo pré-simbólico seria tocado.

Lenita lembra que não é possível desconectar o kakon da passagem ao ato e do crime de gozo. Coloca uma questão na mesma direção das anteriores: “por que você tira dos crimes do gozo os crimes do kakon?”. Comenta o crime das irmãs Papin como resultado da impossibilidade de subjetivar o objeto olhar, e que a extração do objeto teria aplacado o gozo avassalador, sendo por isso, um esforço de elaboração e mostrando que as coordenadas significantes, de diferentes modos, estão sempre presentes na passagem ao ato. Comenta também a questão do novo começo presente em toda passagem ao ato, e que o sujeito que resulta ali jamais será o mesmo.

Seguiu-se então uma discussão sobre as articulações da passagem ao ato no tempo, no real e no simbólico. Uma possível distinção entre uma temporalidade mais aguda da emergência do não simbolizado do fenômeno psicótico, na forma de uma urgência do ato, mais do lado de uma invasão de gozo do que de uma restauração da ordem pela extração do objeto ou destruição do objeto ideal em si próprio e no outro.

Manoel admite a presença constante de coordenadas significantes em toda passagem ao ato, o que não excluiria uma distinção entre uma dimensão bem estruturada pelo delírio de outra dimensão do ato onde se encontra uma franja pequena em vez de um delírio estruturado. Por exemplo, a distinção entre a passagem ao ato no caso Aimeé e no caso Papin mostra que neste último, há um quadro simbólico, mas com pregnância do imaginário e da imagem. Mostra ainda que a dimensão do delírio não é a mais importante nesse ato.

Novas questões surgiram trazendo  a dimensão do ato nos casos de assassinatos em série comparativamente a outros tipos de passagens ao ato. São discutidas as noções que presidem a polaridade crime de gozo x crime de utilidade.

A seguir passamos aos comentários de Carlos sobre as questões levantadas até este ponto, e que foram finalizados com uma rica apresentação de um caso atendido por ele no Hospital de Custódia Heitor Carrilho, ilustrando e esclarecendo as várias questões levantadas ao longo do debate.

Mônica Rolo e Lenita Bentes