A partir do caso da jovem homossexual, Lacan, no seminário 10, pg 128, aponta para a relação estrutural do sujeito com a. É na relação do sujeito com o Outro que ele se constitui como resto. Lacan, ao apontar as condições para a passagem ao ato, observa dois momentos: “o momento do encontro com o pai, no qual ela se identifica com o a, ao mesmo tempo que se vê rejeitada e afastada da cena”. O segundo momento é “o confronto do desejo com a lei, o confronto do desejo dela pelo pai, sobre o qual se constrói toda a conduta dela, com a lei que se fez presente no olhar do pai”. A passagem ao ato é, portanto, o confronto do desejo com a lei. “É através disso que ela se sente definitivamente identificada com o a e … fora de cena. E isso, somente ao abandonar-se, deixar-se cair, pode realizar”. Assim, o desejo, sempre lacunar em relação à sua própria satisfação, se articula com a lei que o regula. Ao identificar-se ao objeto face à lei que o proíbe, a jovem homossexual passa ao ato.
O declínio do pai e a ascensão do objeto no comando da civilização se traduz, entre outras modalidades, pela multiplicação dos recursos oferecidos pela ciência e uma crescente produção de novas formas de exercício da sexualidade e transformações nas concepções de gênero. Um novo campo de direitos se forma, impelindo a novas formas jurídicas. Uma pergunta se coloca para nós, sobre nossa responsabilidade como psicanalistas: nesse momento em que mudanças se precipitam, na primazia do discurso do mestre, forçando respostas no campo jurídico, como podemos, como psicanalistas, nos manter à altura dos princípios de nossa prática nesse campo social em transformação?
Em outras palavras ainda, se no campo do Direito e das lutas sociais, um sujeito é cada vez mais “senhor de si”, na sua relação com a verdade, seja no campo da sexualidade, do gênero, na decisão sobre seu sexo e seu corpo (na infância inclusive), como sustentar, a partir do princípio psicanalítico do “sujeito dividido” e sua “verdade sempre mentirosa”, a singularidade do desejo de cada um e que relações daí extrair nas indispensáveis conexões e desconexões com o campo do Direito?