Categoria: Toxicomania e alcoolismo

O céu (não) é o limite: o discurso da ciência, a “taquinologia” e a verdade sob controle

O texto que se segue é o efeito provocado pelo encontro entre o Núcleo de Pesquisa em Toxicomanias e Alcoolismo (ICP/RJ) e o CIEN – Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a criança, ocorrido em 07 de junho de 2022.

 

Por: Rodrigo Pedalini Borges Pires [1]

 

Disparada por uma fala de Rodrigo Abecassis sobre a queda da função paterna, tive uma questão: Que relação é possível estabelecer entre o declínio da função paterna e a tecnologia – se assim posso dizer – “adictiva”? Teria a primeira algum efeito colateral sobre a segunda, de modo que, se o avanço tecnológico participa de alguma forma do mal-estar do sujeito contemporâneo, sendo mais uma modalidade de adicção, isso se daria por conta da pré-existência ou da pré-condição de um declínio da função paterna? Ou o contrário: é o avanço da tecnologia que faz deixar fora do ar o sistema da função paterna no contemporâneo?

Cito Dessal: “Ciência e técnica começam a transitar por caminhos separados, posto que o princípio de impossibilidade que rege para a ciência, não tem lugar no discurso da técnica.” (1) Lacan, em 1969 desenvolve a teoria dos 4 discursos: do Mestre, da Universidade, da Histérica e do Analista. Pelo que pesquisei recentemente, o que podemos chamar de um “Discurso da Ciência” estaria num lugar entre o Discurso do Mestre e o Discurso da Universidade. Mas, e o Discurso da técnica? O que seria? Pode-se pensar na existência formal de um discurso que é o da tecnologia?

Dessal segue, ainda sobre o divórcio da ciência com a tecnologia, dizendo: “Por outro lado, ciência e técnica opõem-se no que se refere à temporalidade. Enquanto a verdadeira ciência progressa lentamente, a técnica avança de forma acelerada, e faz da velocidade, um de seus postulados máximos. Para a gente de Silicon Valley, o método científico clássico é anacrônico e inadmissivelmente lento.” (1)

Os discursos, segundo Lacan, “nada mais são do que a articulação significante, o aparelho, cuja mera presença, o status existente, domina e governa tudo o que eventualmente pode surgir de palavras. São discursos sem palavra, que vêm em seguida alojar-se neles”(2). Também pelo que andei pesquisando, entendi que a impossibilidade é estrutural no discurso do Mestre e no do Analista, ao passo que a impotência (ou insuficiência) o seria em relação aos Discursos da Histérica e da Universidade. Só que a tecnologia avança acelerada e faz vacilar o que parecia pertencer ao campo da impossibilidade. Nada parece impossível para a tecnologia. O céu (não) é o limite (e há pouco um brasileiro foi sorteado para uma volta no espaço, organizada pelo multi-bilionário Jeff Bezos). Sendo assim, se não há a dimensão do impossível e não há impotência, poderíamos considerar a existência de um Discurso da tecnologia?

O Discurso do Capitalista, derivado do discurso do Mestre a partir da inversão entre as posições de S1 e S barrado, é um discurso no qual também desaparecem as dimensões da impossibilidade e da impotência, porque o sujeito ocupa a posição de agente, guiado pelo objeto “de acordo com as leis de consumo”. Poderíamos então equivaler um hipotético Discurso da Tecnologia ao Discurso do Capitalista? A tecnologia seria apenas uma versão do capitalismo? Que leis ordenariam esse discurso?

Parece-me, ou é a hipótese que levanto, que não há um discurso da tecnologia. Parece, antes, tratar-se de pura taquilalia, porque é rápida, acelerada, e de metonímia, porque é mais, do mesmo. Matematicamente, é como se se cortasse por equivalência, no matema do Discurso do Capitalista, o elemento que está no lugar da verdade (ou do capital), S1 – “o mestre moderno” – e o do outro, o do saber (ou da ciência), S2. Como se saber e verdade (ciência e capital) fossem equivalentes e pudessem ser eliminados, “cortados” como se faz em uma equação matemática. Talvez seja disso que se trate quanto à tecnologia: de se saber a verdade. Ou melhor ainda, de se ter a verdade à mão, de se poder controlar a verdade. Sobra um S (des)barrado, agente que aponta sua seta para o infinito e além, sem lei: acelerado (porque não há nada para detê-lo), segue em direção ao impossível, enquanto produz uma sequência infindável de objetos g(a)dgets.

Um Bom Lugar: exílio e luto

Outra questão que me tocou na reunião foi quanto à universalidade dos smartphones. Smartphones são quase tão universais quanto um CPF ou uma Carteira de Identidade. Quem não tem um, não existe. O tal do metaverso é isso. O mundo é o que se passa por dentro da tela. O velho exercício filosófico da pergunta “se uma árvore caiu no meio da floresta e ninguém ouviu, a árvore fez barulho? Pode-se dizer que a árvore caiu?”. Quanto aos smartphones (e não aos telefones normais, sem acesso a redes sociais) essa pergunta também vale. Quem não tem um, existe? Quem viu? Quantos likes são necessários para ratificar a presença de um sujeito? “Quantos likes merece esse Princeso??”, como já vi numa postagem qualquer. O like, aliás, é a lista de presença de uma postagem. É a marca feita a canivete no tronco da árvore que caiu ou não caiu: “Estive aqui”. “Aqui, fui”. Ou, bastante contemporâneo, ao lado das iniciais de um casal apaixonado, o desenho de um coração, like oficial do Instagram.

Tudo isso para dizer que, pensando clinicamente, a relação de um sujeito com a tecnologia, diferente da relação do sujeito com a droga, tem essa particularidade de não necessitar que haja um movimento daquele em direção ao objeto de consumo. Não é preciso ir ao bar ou à boca-de-fumo. Não é preciso fazer uma ligação. É como se o objeto em jogo fosse mesmo uma parte do corpo para esse sujeito, sua carteira de identidade, seus óculos, algo muito necessário para a convivência em sociedade. O objeto de consumo está ali, no corpo.

Mas, se vemos uma crescente de sujeitos totalmente aprisionados por seus celulares, fazendo deles um uso, digamos, nocivo, exagerado, perdendo-se horas do dia com seus caça-níqueis de bolso, é porque outra gente, muito estratégica, desenvolveu o sistema para que funcionasse assim. De outra forma: não é o pequeno-grande computador de bolso, o objeto que vicia. São os programas que nele são instalados. E os programas nele instalados, o software, são linguagem. Somos todos capturados por uma linguagem, ou, mais uma vez, inseridos em uma linguagem. Só que dessa vez, o produto dessa operação não é a castração. Ou é, mas sempre com a promessa de possibilidade de recuperação do objeto perdido (que é indissociável da possibilidade de decepção, ou de não recuperação, posto tratar-se de dar cara de possível ao que é impossível). “Prometo que pode ser que você recupere o que lhe foi retirado”, que contém subliminarmente a sentença: “e prometo que pode ser que não”. É sempre pelo “gozo de menos”, pela possibilidade de decepção, pela velocidade acelerada com que os vídeos são editados de modo a causarem a sensação de que a qualquer momento uma grande verdade será revelada, pela multiplicidade de objetos oferecidos. É o que fixa o sujeito numa repetição tão automática quanto os robôs criados pela mesma tecnologia.

E achamos tudo isso o máximo, ao menos no início. Encontramos velhos amigos, ganhamos biscoitos em fotos, “joinhas” em homenagens póstumas. Todo mundo lembra seu aniversário, elogiam seus filhos e tudo se passa como se estivéssemos em The Good Place*. Consentimos com nossa inserção nessa linguagem e nossa entrada nesse mundo, porque nos foi mostrado tratar-se de um Good Place. Tudo muito bem, tudo muito bonito, o que me faz lembrar do que Lacan diz em seu Seminário, no livro 7, sobre a Função do Belo, como último anteparo antes da Coisa. “… que o belo tem por efeito suspender, rebaixar, desarmar, diria eu, o desejo. A manifestação do belo intimida, proíbe o desejo”. Talvez possamos, por analogia, considerar que a estratégia da tecnologia tenha sido a de colocar o belo como anteparo, para que não víssemos “a Coisa”, para que nos retirasse o lugar do desejo, e mais: como a serpente que nos seduz a morder a maçã.

Isso tudo parece mesmo uma coisa de outro mundo. O metamundo, o Metaverso. Colocadas as coisas assim, topologicamente, entrando em cenas dois lugares, poderíamos considerar que apenas o exílio seria a “solução” para o mal-estar genérica e recentemente nomeado de “o dilema das redes”? E nesse caso, quanto seria exigido de um sujeito, para que ele possa elaborar o trabalho de luto inevitável do que deixou para trás?

The Good Place é uma série de televisão de comédia fantasiosa americana criada por Michael Schur. uma utopia altamente seletiva semelhante ao Paraíso projetada e administrada pelo “arquiteto” Michael. (wikipedia)

 

Referências bibliográficas:

  • DESSAL, Gustavo. “La alienación digital. Apuntes al debate crítico sobre los dispositivos móviles”.
  • LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 17 – o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.

 

 

[1] Participante do Núcleo de pesquisa em Toxicomania e Alcoolismo

 

Conversação clínica: O que o caso da jovem homossexual ainda nos ensina?

Algumas observações sobre o desejo do analista e o manejo da transferência no tratamento das toxicomanias a partir do caso da jovem homossexual[1]

 

O que nos ensina o caso da jovem homossexual de Freud sobre o tratamento das toxicomanias? Essa é a questão central que foi produzida pelo Núcleo de pesquisa sobre toxicomanias e alcoolismo.

A partir das discussões do Núcleo de pesquisa, alguns questionamentos foram levantados como possíveis aproximações entre o caso e a clínica com as toxicomanias. Fundamentalmente, nossas leituras nos guiaram em direção à reflexões sobre o manejo da transferência, o desejo do analista e a passagem ao ato. Essas noções nos pareceram relevantes nas articulações clínicas que são parte integrante das discussões no núcleo de pesquisa.

Ao tomarmos o caso da Jovem homossexual como parte de nosso objeto de investigação, revelou-se a questão sobre a demanda de tratamento, que parece tangenciar o cotidiano de trabalho de alguns participantes do Núcleo. Notamos que, comumente, o movimento de busca por tratamento das toxicomanias é promovido, não pelos próprios usuários, mas por aqueles que se dispõem a cuidar desses sujeitos. Analogamente ao caso da Jovem, nos tratamentos das drogadições a demanda também não surge do próprio sujeito, mas de seus pais, que gostariam que ela fosse curada de sua “inversão”. O que decorre disso, como sabemos, é a produção dos sonhos da jovem, dirigida à Freud, que os toma como não verdadeiros. Serge Cottet[2] (1989, p.50) nos relata com precisão essa passagem do caso:

“O fato de que Freud seja o analista não o distingue, por um significante novo, de um pai “suposto” que almeja desviá-la de sua perversão. Freud, contudo, percebe com justeza que ela sonha para seu analista, supondo neste o mesmo desejo que tem seu pai. A partir dessa técnica de interpretação, tem-se fundamentos para fazer a seguinte pergunta: que papel desempenha Freud?”

Nos tratamentos das toxicomanias, notamos algo próximo a uma demanda que se apresenta como “mentirosa”, como foi apresentada no caso freudiano. Isso se evidencia por algumas razões que a clínica nos mostra. Inicialmente, essa demanda se verifica, possivelmente, porque há um discurso corrente, estabelecido culturalmente no tratamento das toxicomanias, que correlaciona a cura à abstinência. Nesse sentido, há sujeitos que se apropriam disso como um discurso de mestria, como tentativa de aproximação do Outro, como o esboço de uma demanda ao Outro.

O que mais nos ensina o caso da Jovem? Para Lacan, no Seminário 10, há um momento fundamental que circunscreve a questão freudiana sobre a paixão pela verdade. No ponto em que Freud não se engana sobre as “mentiras” da jovem, é exatamente ali, segundo Lacan, que “trata-se justamente do que cria a aparência de uma ausência de qualquer relação transferencial”[3]. Digamos que mesmo certo de que não se enganava, em sua interpretação, Freud estava numa relação transferencial, segundo Lacan.

A partir dessa citação outra questão se impõe. É possível dizer que Freud teria sido enganado, não pela jovem, com seus sonhos mentirosos, mas por sua paixão pela verdade? Freud teria passado ao ato, ao interromper o tratamento, pouco tempo depois de comunicar à jovem seu julgamento sobre os sonhos? Lacan, no mesmo seminário, ao retomar a questão sobre a mentira sintomática da jovem, afirma que a passagem ao ato de Freud ocorreu quando “sem ver o que o atrapalha, ele se emociona, como certamente o mostra, diante dessa ameaça à fidelidade do inconsciente. E então, passa ao ato”[4]. O que poderíamos extrair dessa passagem como ensinamento para a questão sobre o desejo do analista?

Lacan, no Seminário 10, situa a questão sobre a verdade mentirosa do sintoma e retoma sua afirmação de que a verdade possui estrutura de ficção. O que nos ajuda a pensar sobre o lugar ocupado por aqueles que se dispõem a tratar dos usuários em serviços especializados para álcool e drogas, os chamados CAPS AD. Tendo em vista a dificuldade inerente aos usuários de drogas em estabelecer uma demanda de tratamento e um laço transferencial, as toxicomanias se situariam como um anti-amor, como nos diz Miller no texto A teoria do parceiro.

Alguns praticantes da clínica com toxicômanos e alcoolistas, atravessados pela psicanálise, relatam questões importantes sobre as dificuldades encontradas no manejo da transferência, que em muitas situações, não é levada em conta nos centros de tratamento. O uso de discursos validados pela saúde mental, muitas vezes corroboram uma mestria sobre o sujeito, para não lidar com o que se apresenta como uma demanda. Nesse sentido, podemos retomar a observação de Lacan no Seminário 10, sobre a transferência com Freud. Acolher a “mentira” do toxicômano pode colaborar com o estabelecimento da transferência.

Resumidamente, é necessário acreditar que para além da fala típica dos usuários, como as promessas de abstinência, há a possibilidade de que um desejo se enuncie. Na clínica com as toxicomanias e no que pudemos depreender do caso da jovem homossexual, não há transferência ao saber suficiente para que o sujeito sustente uma pergunta a seu sintoma e o transforme em enigma. Há toda uma tentativa de preencher a fratura estrutural. Cabe ao analista aqui, dirigido por sua ética, não se deixar adormecer e escutar o sujeito em suas coordenadas significantes. Estar atento à verdade que o sintoma porta é o indicativo para que algo do desejo do analista esteja presente.

[1] Trabalho realizado pelos participantes do Núcelo de pesquisa sobre toxicomanias e alcoolismo. São eles: Clarice Cabral, Deborah Souza, Luisa Brand, Luiza Sarrat, Maurícia dos Reis Leandro, Rodrigo Abecassis(Coord. Adj.), Sarita Gelbert( Coord.), Viviane Tinoco e Wagner Erlange.

[2] Cottet, S. Freud e o desejo do analista, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, RJ, 1989. p. 50.

[3] Lacan,J. O seminário livro 10: a angústia, Riode Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2005.p.143.

[4] Idem, p144.

TOXICOMANIAS E ALCOOLISMO

Coordenação: Sarita Gelbert

Coordenação adjunta: Rodrigo Abecassis

Periodicidade e horário: primeiras e terceiras terças-feiras do mês, às 20h00

Início: 03 de agosto

 

Nesse segundo semestre, vamos dar continuidade às articulações entre as toxicomanias e o amor.  Miller em 1995, usa a expressão “anti-amor” para indicar que a toxicomania apresenta uma relação diferente com o Outro, ou seja, prescinde dele. O toxicômano elege o objeto/substância em detrimento de sua relação com o Outro, que aparece como obstáculo, entrave ao fugaz conforto da ilusão de completude. Por outro lado, nota-se que uma outra relação com a linguagem se estabelece, onde o corpo é tomado como Outro.

Nesse sentido, faz-se necessária uma leitura e percurso sobre a incidência do amor nas toxicomanias e seus tratamentos. Logo, coloca-se uma questão fundamental: Como lidar com o delicado desafio do manejo na transferência? E as outras compulsões? Como o amor de transferência incidiria?

Apostar na psicanálise para esses sujeitos é tomar o amor de transferência como possibilidade de metaforização e parcialização do objeto que assume um status único de gozo, como também, estabelecer uma leitura que se dirija ao inconsciente real.

Propomos uma pesquisa para pensar se o manejo da transferência em algumas situações, implica num trabalho sobre esse Outro construído pelo toxicômano.

Vamos verificar.

 

Referências bibliográficas:

 

FREUD, S. (1912). A dinâmica da transferência. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago, 1970, Vol. 12.

FREUD, S. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor, in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1970, vol. 11.

FREUD, S. (1914) Observações sobre o amor transferencial (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise III) in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1970, vol. 12.

FREUD, S. (1914) Sobre o narcisismo: uma introdução.  in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1970, vol. 14.

LACAN, J. Seminário XX Mais, ainda. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 1982.

MILLER, J.-A. A teoria do parceiro (1997). In: Os circuitos do desejo na vida e na análise. Contra Capa e Escola Brasileira de Psicanálise: Rio de Janeiro, 2000.

MILLER, J-A Revalorización del amor. In: El partenaire-síntoma. 1ª ed. 1ªreimp. Buenos Aires, Paidós, 2008.

MILLER, J-A. Do amor à morte ,Opção Lacaniana online nova série, Ano 1, Número 2,  Julho, 2010.

MILLER, J-A. Um conversa sobre o amor, Opção Lacaniana online nova série, Ano 1, Número 2,  Julho, 2010.

MILLER, J-A. O amor entre repetição e invenção, Opção Lacaniana online nova série, Ano 1, Número 2,  Julho, 2010.

MILLER, J-A. Minha garota e eu, Opção Lacaniana online nova série, Ano 1, Número 2,  Julho, 2010.

MILLER, J-A. Convergência e divergência, Opção Lacaniana online nova série, Ano 1, Número 2,  Julho, 2010.

MILLER, J-A. La pareja y el amor: Conversaciones clinicas com Jacques Alain Miller em Barcelona, 1ª ed., Buenos Aires, Paidós, 2003.

Naparstek, F. Da formação de ruptura ao parceiro-sintoma, Revista Quarto, 79, junho/2003 “Paradis toxiques” , Trad: Arryson Zenith Junior, p.44-45.

 

Assuntos de família no discurso toxicômano: impasses

XVIII Conversação Clínica do IPSM-MG e Conversação TyA Brasil

Resenha do evento ocorrido em 27 de maio de 2017.

Selma Pau Brasil

Na abertura da conversação, Ana Lydia – Diretora do IPSM-MG – informa que foi selado um intercâmbio entre o Instituto, a FEMIG e o Instituto de Córdoba, aprofundando assim a troca entre eles.

Em seguida, aconteceu a “Apresentação de pacientes”, conduzida por Lilany Pacheco e realizada no Centro Mineiro de Toxicomania, que propiciou a discussão clínica do caso em questão e, também, os efeitos dessa transmissão na equipe, assim como os efeitos terapêuticos ocorridos no caso após essa entrevista. A Apresentação de pacientes contou, também, com a presença de quem conduz o caso no CMT, ampliando, dessa forma, a discussão do caso. Contou-se, também, com os comentários de Jorge Castilho, do CIEC de Córdoba, Cassandra Dias Farias, da TYA Paraíba e com a coordenação de Maria Wilma Faria, coordenadora da TYA Brasil.

Após a Apresentação de pacientes, Jesus Santiago comentou a edição revisada de seu livro “A droga do toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência”, uma publicação da Coleção BIP, da Biblioteca do Instituto de Psicanálise. Seguido de um coquetel e autógrafos embalados pela banda de jazz chamada “Quatro em ponto”.

Depois do lançamento do livro, aconteceu um delicioso almoço para os participantes do evento e, então, iniciou-se a Conversação Tya Brasil com Daniela Dinard, diretora do CMT; Adriana de Vitta, diretora do Freud Cidadão, e Selma Pau Brasil, da TyA Rio, em que foram discutidos muitos dos impasses sobre os assuntos de família no discurso toxicômano, com grande entusiasmo de todos os participantes. O evento lotou o auditório, necessitando utilizar a transmissão em outra sala.

Foi um evento extremamente interessante e produtivo e promotor de um amplo debate de questões muito importantes para a clínica lacaniana.

 

 

Conversação Clínica: Assuntos de família no discurso toxicomaníaco – impasses – Cartaz

conversação 1Toxicomanias e Alcoolismo

TOXICOMANIAS E ALCOOLISMO (TyA-Rio)

Coordenação: Ana Martha Wilson Maia e Selma Pau Brasil

Periodicidade e horário: Primeiras e terceiras terças-feiras do mês, às 19h30

Início: 21 de março

Seguindo a direção da rede Una do TyA Brasil, o Núcleo de Pesquisas  organizou o Programa em torno do tema das psicoses ordinárias, visando a relação do corpo falante com as toxicomanias e alcoolismos.

Conversações com os Núcleos que constituem a rede serão realizadas para avançarmos na pesquisa e estreitarmos laços de trabalho.

Nosso primeiro encontro deste ano será no dia 21 de março.

Até lá!

Ana Martha Wilson Maia e Selma Pau Brasil

Bibliografia inicial:

MILLER, JA. La psicosis ordinária. Buenos Aires: Paidós. 2006.

BRODSKY, G. Loucuras discretas: um seminário sobre as chamadas psicoses ordinárias. Belo Horizonte: Scriptum Livros. 2011.

Pharmakon Online, vol 2. Especificidade da Toxicomania. Rede TyA Brasil do Campo Freudiano. Novembro/2016.

ZAPATA, EF. Usos del cuerpo en las toxicomanías en la época del parlêtre – un ejercicio epistémico. Buenos Aires: Grama Ediciones. 2016.

Nota sobre o Núcleo de Toxicomanias e Alcoolismo

Por Ana Martha Wilson Maia

“Sozinhos e intoxicados” é o tema do II Colóquio TyA que será realizado em São Paulo, por ocasião do próximo Encontro Brasileiro do Campo Freudiano. Seguindo nesta direção, o Núcleo de Toxicomanias e Alcoolismo organizou o Programa de pesquisa para trabalhar em torno dos conceitos/termos de solidão, solitude e parceria.

Iniciamos com dois textos de Miquel Bassols, muito orientadores para delimitarmos o campo “conceitual” da solidão. No primeiro, Bassols (1994) lança a pergunta se podemos estabelecer uma clínica diferencial da solidão, a partir da neurose, da perversão e psicose. Deste texto, concluímos uma solidão generalizada para todo ser falante.

O segundo texto aborda a solidão na experiência de enclausuramento da monja Sor María, do Mosteiro de Santa Catalina, em Buenos Aires. María concedeu uma entrevista inédita a um colega da EOL que foi exibida durante as XXIV Jornadas Anuales da EOL do ano passado, cujo tema foi “Solos y solas”. Bassols (2015) esteve presente e publicou um texto do qual extraímos uma referência conceitual que contribui para pensarmos sobre a zona de extimidade do gozo do Outro, se este existisse, “mais além do falo e de seus véus”(Bassols), sobre “a solidão como meio” e a “certeza” (María), que nos levou a comentar sobre a certeza do gozo obtido pela droga.

Nas palavras de Bassols, “Há outra solidão que não é um meio, mas tampouco não é um fim. Ou, se me permitem dizê-lo assim, há uma solidão que é “um meio sem fim”, um meio infinito, um espaço de solidão que não tem bordas, nem limites.”

Que relação tem o ser falante com este modo de estar na solidão, intoxicado? – é uma das questões que formulamos. Pensando nas adições, sabemos que a sociedade contemporânea oferece múltiplas formas de parcerias e que as toxicomanias, assim como a virtualidade, são uma solidão de época.

Bassols estabelece três formas de abordagem da solidão: a solidão que se auto-abastece na esfera imaginária do eu consigo mesmo; a solidão que se abre ao Outro do simbólico (o sujeito está sozinho com a linguagem, acompanhado com o Outro da linguagem); e a solidão frente a uma falta real, uma solidão sem fim, em que o Outro tem a estrutura de um Toro. Ele diz: “ante o buraco do Outro, há uma solidão irredutível, é a solidão do gozo do Um, sem representação possível”. É a solidão do gozo acéfalo da pulsão sem Outro.

A solidão do gozo do Um é formalizada por Lacan a partir dos anos 70 e atualmente referencia o trabalho do Campo Freudiano sobre o corpo falante. Com o declínio do patriarcado, Lacan destaca a inexistência do Outro e o gozo do Um. A partir daí, podemos pensar a solidão estrutural pela via da relação sexual que não existe. O Um é homólogo à solidão estrutural. Assim, cada um faz uma coisa com esta solidão do Um para viver, o que nos traz a questão do destino que o toxicômano deu a seu gozo solitário.

Gozo do auto-erotismo. Solidão do Um. Autismo nativo. Estamos refinando os conceitos em nossa pesquisa, articulando-os à Teoria do Parceiro (2000), de Miller, como também ao curso El partenaire-síntoma (2008), tendo em vista a parceria do corpo falante com a droga.

BASSOLS, Miquel. (1994) Soledades y estruturas clínicas. Revista Freudiana – Lazos y soledades: toxicoman. ELP. Paidós, nº.12. 1994

BASSOLS, Miquel. (2015) Soledades II. Desescrits. Disponivel em http://miquelbassols.blogspot.com.br

Miller, J-A. Os circuitos do desejo na vida e na análise. Rio de Janeiro: Contra Capa. 2000.

Miller, J-A. El partenaire-síntoma. Buenos Aires: Paidós. 2008.
Pharmakon Digital. Rede TyA do Campo Freudiano. Edição 01. 2015

Programa de 2016.1

Coordenação: Selma Pau Brasil (selmabrasil@gmail.com) e Ana Martha Wilson Maia (anamarthamaia@gmail.com)
Horário: primeiras e terceiras terças-feiras do mês, às 19h30
Início: 01 de março de 2016

Freud relaciona a solidão ao desamparo primordial, à perda do objeto e à angústia. Com Lacan, para além do objeto causa de desejo, quando o Outro já não mais existe, a solidão é efeito do trauma da linguagem que deixa marca no corpo. “Quem fala só tem a ver com a solidão” – diz ele, no Seminário 20, enfatizando o gozo do Um. Miller se refere a este gozo autista da solidão estrutural como gozo nativo.

A solidão e as toxicomanias constituem o tema do próximo encontro do TyA. É nessa direção que trabalharemos em 2016, articulando em nossa pesquisa estes dois sintomas da época: a solidão globalizada e a toxicomania generalizada. Buscaremos, assim, circunscrever que função a droga desempenha para o corpo falante, na solidão de seu gozo.

Bibliografia inicial:

BASSOLS, Miquel. Soledades y estruturas clínicas. Revista Freudiana – Lazos y soledades: toxicoman. ELP. Paidós, nº.12. 1994

BASSOLS, Miquel. Soledades II. Desescrits. Disponível em http://miquelbassols.blogspot.com.br
Pharmakon Digital. Rede TyA do Campo Freudiano. Edição 01. 2015.

Imagens intoxicadas: o que se olha, mas não se vê!

Temos sido desafiados, praticantes da psicanálise, a pensar sobre um modo de resposta, muito frequente no contemporâneo, que só se dá em ato e, consequentemente, com suas patologias. Passagens ao ato e actings out habitam as instituições e o social como um todo, num contexto de ruptura. Efeitos do declínio do simbólico que traz como consequência a satisfação pulsional sem mediação simbólica.

Duas cenas recentes e discutidas no Núcleo de Toxicomania e Alcoolismo retratam essa questão:

CENA 1:

Jovens acompanhados por um dispositivo da Assistência Social resolvem certo dia que

“queriam matar alguém” e fazem do dispositivo seu alvo. Apedrejam todas as janelas e tentam invadir o prédio, causando uma grande tensão. Procuram e acham outra vítima em outro lugar e o espancam quase à  morte.

CENA 2:

Relato de diferentes equipes de CAPS ad sobre reiteradas vezes em que seus pacientes dirigem a elas e a outros pacientes, agressões verbais, agressões físicas e danos patrimoniais às unidades. Não raro se faz necessário a intervenção da polícia para apaziguar os conflitos.

Embora ambas as cenas sejam atravessadas por intoxicações, há algo que escapa ao olhar, a compreensão. Parafraseando Baudrilard (2)“ por trás da maioria das imagens alguma coisa desaparece”. O que desapareceu nessas imagens intoxicadas e intoxicantes? O que faria esses sujeitos atacarem serviços e pessoas que acessam recorrentemente?

Ecoa uma questão de Santiago (8): “com qual gozo o sujeito, nos dias de hoje, se orienta?” Talvez pudéssemos nos arriscar respondendo que na contemporaneidade surge um gozo que não passa pelo simbólico e nem pelo dizer. Nesse sentido, o gozo que esta em jogo refere-se ao gozo do Um, do Um totalizante da unidade imaginária narcísica, opondo-se a toda dialética do gozo do corpo do Outro.

A questão da violência nas instituições públicas parece ser de ordem narcísica também, de substituir a palavra pela passagem ao ato ou actings out, para furar a consistência imaginária do Outro, não pela via simbólica, mas no real. Atuação no real do que não se verbaliza. Um real nu e cru, que corta como navalha.

A estrutura revelada pelo ato aponta que sua temporalidade se assemelha a da urgência, saltando do instante de ver ao momento de concluir sem passar pelo tempo de compreender.

Lacan (7) nos aponta que a agressividade é a tendência correlativa a um modo de identificação a que chamamos narcísica, e que determina a estrutura formal do eu do homem e do registro de entidades característico de seu mundo. Segue, ainda, dizendo que a eficácia própria dessa interação agressiva é manifesta, nós a constatamos frequentemente na ação formadora de um indivíduo sobre as pessoas de sua dependência: a agressividade intencional corrói, mina, desapega; ela castra; ela conduz à morte.

Lacan (7) também nos advertiu que o declínio da imago paterna viria a ser motivo de aumento da criminalidade quando a ordem fraterna foi substituída por uma ordem de ferro. Assim, segundo Bentes (4) vivemos a ditadura do gozo, cada vez mais, das patologias do ato, da violência e de sujeitos em conflito com a ordem pública.

A descrença no significante mestre, nos diz Greiser (5), leva a crer não no Outro do Significante, mas no Outro do Gozo, para fazê-lo consistir não só nas toxicomanias, mas nos atos terroristas, no suicídio ou assassinato e nos roubos seguidos de morte, sequestros e violações.

Talvez a contribuição que a psicanálise possa oferecer às equipes, que muitas vezes também respondem em atos, seja apontar que os sujeitos que necessitam de um tratamento institucional são justo os que não têm recursos simbólicos suficientes para manejar o transbordamento que os acomete. Esse transbordamento para o campo social exige novas respostas, exige um campo coletivo de intervenções que possam fazer uma borda ao sujeito, possibilitando assim, certa ancoragem ao mesmo, nos adverte Faria (4).

Podemos pensar a violência que bate às portas das instituições como oriunda do declínio de certos significantes mestres, restando uma solução pela via do imaginário que implica na reprodução de esquemas polarizantes e não dialetizáveis onde a menor falha representa um fracasso e torna impossível toda perda, esta, transformada num feroz ataque devido à debilidade do simbólico.

Bassols(1) nos alerta que uma imagem não diz nada, oculta, ao contrário, o indizível que só a palavra pode evocar ou invocar. Parece ser esse o indicativo para os praticantes da psicanálise: ouvir as imagens.

Hanna (6) nos lembra que, ao poder da imagem a psicanálise oferece o poder da palavra indicando que aí onde há uma imagem, de fato há um significante. Entre um e outro significante encontramos alojado algo irredutível ao simbólico que Lacan denominou objeto a, cuja elaboração permitiu repensar o campo escópico dando lugar à separação entre o visível e o olhar. Ela aponta ainda que, embora saibamos, através do recolhemos na experiência analítica, que o poder da palavra não elimina o poder do imaginário, um não substitui o outro, há algo que resiste, e é com essa resistência que caminhamos, partindo do real.

                                                                                                                               Autora: Selma Pau Brasil

Co-autores: Lenita Bentes, Simone Delgado, Gustavo Corinto,

Pablo Campos, Fernanda SaintMaritn e Gisele Fleury

 

Referências bibliográficas:

  • Bassols- O império das imagens e o gozo do corpo falante. IN: BoletimFlash nº 00 do VII Enapol.
  • Baudrilard, J. O desaparecimento do mundo real. IN: Boletim Flash nº 04 do VII Enapol
  • Bentes, L. V, G. – As Patologias do ato. Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2014.
  • Faria, M.W.S.- El tratamento posibledel toxicómano em lainstitución, IN Pharmakon, nº 10, 2005.
  • Greiser, I. – Delito y transgresión, um abordaje psicoanalítico de La relación del sujeito com la ley. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2008.
  • Hanna- Algumas perguntas em torno do império das imagens. IN: Boletim Flash nº 03 do VII Enapol.
  • Lacan, J. –A agressividade em psicanálise, IN: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
  • J. – Efeito- Charlie e a política do não todo. IN: Nel Notícias, 2015.

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