O “Primeiro Simpósio Internacional sobre Migrações, Refúgios e Laços Culturais” reuniu uma diversidade de práticas e de experiências concernentes ao complexo e urgente tema das migrações no Brasil e no mundo. Este evento acolheu pessoas em situação de migração e refúgio, psicanalistas, pesquisadores, artistas, designers, operadores do direito, sociedade civil e objetivou, sobretudo, ampliar a conversa sobre os desafios, as potencialidades e os impasses apresentados pelas experiências singulares dos imigrantes que escolheram o Brasil como país de destino para viver.

Na abertura deste evento, a partir da orientação da psicanálise freudiana e lacaniana, uma primeira indicação apontou como solo ético e político da prática psicanalítica o caráter singular da experiência de cada sujeito que vivencia um contexto migratório, seja ele voluntário ou forçado. Pois, embora haja uma estrangereidade universal atestada pela existência do inconsciente, tal como inscreveu a psicanálise na cena do mundo moderno, o que se evidencia é que isso não exclui o fato de que os processos migratórios e a experiência daquele que vivencia um deslocamento de sua terra deva ser tomada ao pé da letra, ou seja, na singularidade que lhe é peculiar.

Foram apresentadas particularidades das migrações interestaduais brasileiras, especificamente, a nordestina. A vivência do sertão nordestino e a experiência da literatura e do cinema brasileiros no tocante aos processos migratórios do nordeste ao sudeste ensinam como estes são marcados pela luta e pelo imprevisível, mas também pela arte e pela construção artesanal de uma nova vida.

 A arte foi também o campo privilegiado para a reflexão sobre a problemática dos refugiados políticos e dos escritores exilados no Brasil e no mundo. A apresentação da CABRA – Casa Brasileira de Refúgio – trouxe uma importante reflexão sobre a cooperação entre os países na construção de lugares de refúgio para aqueles que se encontram em risco de vida devido a ameaça que a sua literatura e a sua posição política implicam em seu país de destino governados por políticas ditatoriais. Nessa perspectiva política e ética contrária aos totalitarismos e prática segregatórias, foi abordada a função da Universidade brasileira em face ao contexto global de migrações e refúgios. A ideia de uma “universidade refúgio” deu o tom da política impressa neste simpósio.

Trabalhou-se também o lugar do exílio como casa para o artista. A partir da obra da cubana Ana Medienta, que ao imprimir seu corpo em suas obras inscrevia a partir de seu exílio uma invenção singular, sublinhou-se a potência que pode ser o exílio como criação.

 No campo das invenções, foi aberto também o espaço para o testemunho das experiências das pessoas em situação de migração voluntária e forçada oriundas da República Democrática do Congo, Haiti e Moçambique. Em seus testemunhos, eles trouxeram contribuições sobre temas variados: a construção de um lugar de refúgio em uma outra língua, o racismo à brasileira, o caráter traumático da experiência do deslocamento forçado e as amarrações e enlaces possíveis possibilitados no encontro com o novo, com a contingência, com outra língua, com o estrangeiro que se é a si mesmo.

A experiência trazida pelos participantes foi um campo fértil para reflexão sobre a diferença entre perder as raízes e ser deslocado de seu país. A partir das experiências apresentadas, enfatizou-se a função das origens no processo de construção artesanal da vida. Construção que se dá em um movimento contínuo que inclui tanto as raízes de cada um como o passo-a-passo que faz do movimento mesmo um alicerce para a vida. Essa construção foi apresentada na exposição “livros de artistas”. Foram acolhidas também diversas experiências e práticas realizadas com imigrantes em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo. Assim como, acolheu-se experiências de imigrantes oriundos da África, da América Central, da Alemanha e da França. Trabalhou-se também com a prática de oficinas nos mais variados campos que foram convidados a dialogar, entre eles, a psicanálise, a literatura, o cinema, o designer, o serviço social.

Por fim, este simpósio, realizado pelo Programa de Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Fundação de Amparo à pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, foi composto por diversas parcerias, entre elas, com o Instituto de Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro- ICP-RJ/ Núcleo de Investigação em Psicanálise e Literatura/Práticas da Letra. Deixamos registrados aqui os nomes daqueles que estiveram presentes neste evento: Aline Bemfica, Lia Krucken, Mélanie Montinard, Maria Cristina Poli, Marcus André Vieira, Ana Lúcia Lutterbach, Lúcia Castello Branco, Sylvie Debs, Flávia Trocoli, Yves Abdala, Bob Selassie, Dulcídio Cossa, Miriam Debieux, Aryadne Bittencourt, Fabrício Souza, Gabriela Azevedo de Aguiar, Otávio Ávila, Jo Serfaty, Pedro Beiler, Catallina Revollo, Ângela Magalhães, Renata Costa-Moura.

Aline Bemfica

Psicanalista/Idealizadora do “Primeiro Simpósio Internacional sobre Migrações, Refúgios e Laços Culturais”, participante do Núcleo de Pesquisa Práticas da letra.