Categoria: Psicose e Saúde Mental

Conversação clínica: O que o caso da jovem homossexual ainda nos ensina?

O caso da Jovem Homossexual: uma releitura.

Neste ano estamos trabalhando no núcleo, o caso de Sarah Kane dramaturga inglesa que se suicidou aos 27 anos. A escrita de suas peças, a encenação e todo o sucesso alcançado que atingiram não foram suficientes  para que ela encontrasse uma amarração para sustentar seu corpo. Foi nessa perspectiva que lemos o caso da paciente de Freud.

Gabriela Basz, a partir de Lacan, trabalhando sobre Sarah Kane em seu livro “Cuerpo y Psicosis em la época” (2018) sinaliza que a linguagem na psicose se impõe, uma imposição no corpo que pode chegar a dissolvê-lo. Nesse livro ela traz o entendimento dos fenômenos elementares com os transtornos nos três registros, imaginário, simbólico e real. Os fenômenos elementares não são necessariamente fenômenos de linguagem.

O “deixar cair o corpo” em Joyce seria um exemplo de fenômeno elementar que não é transtorno de linguagem. Desenvolvendo o tema da consistência, a autora traz a linguagem como disruptiva, experiência de uma presença que irrompe e dissolve essa consistência que suporta o corpo.

Daí a necessidade de uma distância desse Outro da linguagem que invade o corpo. Ao mesmo tempo, a importância para o analista em identificar qual o estatuto deste Outro na psicose.

 No caso da Jovem Homossexual (Freud,1920) o encontro com o olhar de reprovação do pai teria tido esse efeito de dissolução da consistência do corpo? Outra hipótese é a ausência do desejo da mãe sobre o bebê feminino, ou seja, a criança não pôde ser o falo da mãe, produzindo um enodamento sem o nome do pai. Assim orientamos a nossa investigação, a partir de uma das posições de sujeito preconizadas por Lacan no seminário 10 no caso da jovem homossexual, que indica a “redução ao objeto real na tentativa de suicido” ( Os poderes da palavra, AMP, 1996).

Lacan, neste momento de seu ensino, estabelece as condições para a passagem ao ato, afirmando que primeiramente é a identificação absoluta do sujeito com o “a”, ao qual ele se reduz. É justamente o que sucede com a moça no momento do encontro. A ausência do desejo da mãe sobre a criança é atualizada a partir desse outro idealizado, desse outro heterogêneo.  A outra condição é o confronto do desejo com a lei (Lacan, pág 125). Neste ponto, diz Lacan, trata-se do confronto do desejo pelo pai, sobre o qual se constrói toda conduta dela, com a lei que se faz presente no olhar do pai. É através disso que ela se sente definitivamente identificada com o “a”, e ao mesmo tempo, rejeitada, afastada, fora da cena (pág 125). A jovem se sente identificada com “a” por causa da retirada do desejo desse outro heterogêneo dela, em outros termos, o desprezo da dama. E isso, somente o abandonar-se, deixar-se cair pode realizar.

Nossa hipótese para discussão, apoia-se nessa questão: qual o estatuto da passagem ao ato na época do tratamento com Freud e nas outras duas tentativas de suicídio relatadas na biografia: tomou remédios e deu um tiro no peito, dois tempos relacionadas a vida amorosa. Foi a incidência do olhar do pai sobre a cena, e também o desprezo da dama, que fizeram com que seu corpo não se sustentasse e ela se jogasse na linha do trem, caída como um dejeto, ao modo de uma passagem ao ato?  Para Freud, a jovem não se apresentava como histérica, não apresentava conflitos que era uma questão requerida pela análise. As interpretações edipianas não ressoavam muito, apesar da transferência.

No texto Habeas Corpus (2018), Miller aponta que o último ensino de Lacan inicia por uma fórmula que ele enuncia assim: “o inconsciente deriva do corpo falante” e destaca três pontos: “o sujeito tem um corpo, o corpo é falante e não é o corpo que fala”. O corpo serve para falar, é um instrumento, a fala passa pelo corpo e o afeta, “sob a forma de fenômenos de ecos e ressonâncias”.

No caso da paciente de Freud a sexualidade se apresenta como invasiva, repugnante, sem o recobrimento da fantasia, como irrupção de algo estranho no real de seu próprio corpo. A tentativa de ser amada está presente, mas o amor se revela como morto, frente a degradação do Outro.

Lacan no Seminário 3 vai dizer que a relação amorosa na psicose, situa o sujeito “fora de si mesmo”. É uma relação amorosa que suprime o sujeito pois se trata de um encontro “com uma alteridade tão estrangeira que mata o sujeito”. Neste sentido, o amor na psicose é um amor morto porque implica “numa heterogeneidade radical do Outro”. O Outro é tão radicalmente heterogêneo, diferente, levando o sujeito a não reconhecê-lo como sendo da mesma natureza. É uma distância defensiva, mas opera também como uma garantia. Essa dimensão leva o sujeito a um apagamento, deixando sua vida de lado. No caso da paciente de Freud, o real da sexualidade aparece em seu corpo, se materializa no desprezo da dama, e na rejeição dos pais em relação a sua posição. Ela não encontra apoio fálico e se deixa cair na linha férrea e “se deixa abandonar” também por Freud.

Na biografia de Sidonie C. (2008)  sobram relatos de uma vida incomum, que se estendeu até o final do século XX.  Muitos amores, seguiu amando, sempre se mantendo com muita distância em relação ao sexo. Diante disto, qual foi o enodamento dos registros feito por esta paciente?

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PSICOSE E SAÚDE MENTAL

Coordenação: Francisca Menta, Jose Marcos de Moura, Maria Antunes Tavares e Paula Borsoi

Periodicidade e horário: segundas e quartas terças-feiras do mês, às 19h30

Início: 10 de agosto

 

Durante o primeiro semestre, trabalhamos o livro de Gabriela Basz, ”Cuerpo e psicoses en la época”, onde a autora à partir do ensino de Lacan, da noção de parletre e   da lógica nodal, se utiliza da obra da dramaturga inglesa Sarah Kane, para estabelecer com muito rigor, qual o estatuto do corpo na psicose e seus desdobramentos.

O contato com esse texto, nos proporciona o inusitado e a surpresa de uma situação, que dificilmente conseguimos transmitir com nosso estudo teórico e na narrativa de nossa experiência clínica. Mesmo quando fazemos a construção de um caso clínico, algo escapa da narrativa e da reprodução discursiva. O recurso à obra de arte e o encontro dela com o singular de cada um, nos causa a vivência do acontecimento. Mobilizando nossos afetos, interrogando nosso desejo e posicionando nossas angustias

Vamos prosseguir em nossa pesquisa, utilizando os capítulos, 7,8,9 do livro citado acima. Nesse sentido esperamos avançar, em conceitos tais como: o rechaço ao amor e  a castração,  o corpo no século XXI, e o lugar do analista e a interpretação, tendo como referência a clínica da psicose.

Referências bibliográficas:

 

BASZ,G.  Cuerpo e psicoses en la época,BA, Grama Ediciones,2018

LACAN, J. O Seminário Livro 3 :As Psicoses,RJ,Jorge Zahar, 1985

LACAN,J. O Seminário Livro 23 : O sinthoma, RJ, Jorge Zahar , 2007

 

Sobre a Conversação virtual dos Núcleos de Psicose e Saúde Mental do Rio e de Santa Catarina

José Marcos de Moura

Este comentário refere-se a conversação virtual entre os Núcleos de Psicose e Saúde mental do Rio e Santa Catarina, ocorrida no dia 06 de maio de 2016.

Basicamente utilizei o livro de Nieves Soria Dafunchio Confines de las Psicosis para esta elaboração.

Para pensar as psicoses, nos valemos de dois paradigmas, o paradigma de Schreber e paradigma de Joyce.

Neste caso, utilizaremos o paradigma de Joyce, ou seja, uma amarração não borromeana entre os três registros R, I, S.  Um paradigma que propõe a generalização da foraclusão, onde a clínica diferencial entre as psicoses (paranoica, esquizofrênica, parafrênica, maníaca, melancólica etc.) está referida a solução que encontra o sujeito para amarração e reparação dos lapsus no nó dos três registros R S I.

Essas reparações do lapso no nó nos fornecem a possibilidade de pensar distintas amarrações possíveis nas psicoses

O nó, borromeano ou não, vai sendo construído e reparado nos vários momentos da vida do sujeito, ele não acontece de um momento para o outro, e sim através de vários enlaçamentos do real, do simbólico e do imaginário na vida do sujeito, que, nesse movimento, produzem a trança da subjetividade.

Voltando ao caso clínico, qual seriam os lapsus que se produziram no nó e qual dos registros se soltou?

Nossa hipótese é que o registro do imaginário se soltou, enquanto que os registros do Real e Simbólico permanecem enganchados.

O esquecimento e o vagar sem sentido, sem rumo e sem memória, poderiam dar conta do momento em que esse registro se solta e o sujeito não conta com nenhuma solução (suplência). A manobra precária que ela utiliza para reparar o lapsus parece ser o andar sem rumo, que na situação em que o registro imaginário se solta completamente, não produz o mesmo efeito.

Essa maneira de pensar a clínica fornece uma indicação preciosa para o trabalho: se o sujeito soltou o registro imaginário não podemos entrar pelo registro faltante. Nesse caso, devemos nos abster de fazer intervenções pelo lado do sentido, da consistência, etc. É necessário recorrer aos demais registros – por exemplo, nesse caso, poderíamos recorrer ao simbólico pelo lado da escrita da letra etc.

Resta investigar quais foram as amarrações que repararam os lapsus desse sujeito no decorrer de sua vida e por qual motivo elas se soltaram. Em outras palavras, quais foram as suplências, ainda que frágeis e precárias, que sustentaram esse sujeito durante grande parte de sua vida?

Sobre a Conversação virtual dos Núcleos de Psicose e Saúde Mental do Rio e de Santa Catarina

Vicente Machado Gaglianone

No dia 6 de maio, sábado, às 14hs, aconteceu na Seção Rio a primeira de uma série de Conversações virtuais entre os Núcleos de psicose do Rio e de Santa Catarina. Esse modelo de intercâmbio, que propicia entender e ao mesmo tempo favorecer o múltiplo de nossa Escola, mostrou-se um dispositivo vivo e dinâmico, que já desenvolvíamos há quatro anos com o Instituto de Minas. Abre-se, agora, com SC mais uma série que esperamos dar muitos frutos.

Nessa primeira conversação coube a eles apresentarem o caso e, após nossos comentários, abrir uma roda de conversa. Transcrevo abaixo resumidamente o teor de nossos comentários – a conversação propriamente dita está sendo transcrita para posterior divulgação.

O caso, de autoria de uma colega de Santa Catarina, sob vários aspectos, mostrou-se como um presente sob medida para o “clima” que nos concerne (nós, da grande comunidade do Campo freudiano) nesse ano de trabalho. Ele tensiona, ao menos, um grande pilar da temática de nosso Congresso Mundial que se avizinha: a questão da continuidade/descontinuidade na clínica das psicoses. Sabemos pelas leituras que nos orientam já há vinte anos, desde as grandes Conversações francofônicas e, em particular, as mais recentes que orientam nossa temática, que o binarismo N/P assentado no operador fálico esgarçou-se, gerando uma nebulosidade nos operadores nosográficos. Se a foraclusão é generalizada, a neurose passa a ser uma espécie de gradus da psicose e não o contrário. Não que sejamos todos psicóticos (apesar de delirantes), trata-se do fato de que todo discurso é uma defesa contra o real, como indica Anna Aromí e Xavier Esqué no texto de orientação para Barcelona: foraclusão do significante d’Amulher para todos e foraclusão do significante Nome-do-Pai para a psicose.

No caso de Aline, logo de saída se coloca o problema do desencadeamento tardio de sua psicose. Ao que sugere a leitura do caso, ela virou-se relativamente bem na vida até meados de seus 40 anos. Decidir sobre as coordenadas do desencadeamento é uma tarefa que nos cabe enfrentar, já que não nos parece tão imediata a compreensão. Fica a lembrança da fala irônica de Miller em “Efeito de retorno da psicose ordinária” quando se pergunta se Schereber seria um psicótico ordinário antes do desencadeamento, ou ainda se sua psicose teria desencadeado se ele estivesse sob transferência, em análise.

“Sob transferência” parece ser a chave mestra. Aromí e Esqué mais uma vez colocam o acento aí ao lembrarem que nas psicoses ordinárias o buraco foraclusivo se manifesta por sinais discretos, como uma espécie de carta roubada de Poe, como lembra Bassols. Está ali, mas ninguém a vê. Salvo, é a aposta, sob transferência. Poder, então, localizar no intenso trabalho desses sujeitos aquilo que faz função de grampo, enodando, ainda que de forma frágil, as consistências está na base do processo. Acompanhá-los na regulação de suas pragmáticas examinando os modos pelos quais um sujeito inventa um nó com o imaginário, o simbólico e o real que o sustente sem o auxílio do Nome-do-pai. É como Miller nomeou: a clínica das sutilezas, modular, da gradação e da tonalidade. Miller propõe como uma verdadeira bússola clínica, em seu já citado “Efeito de retorno”, três externalidades: social, corporal e subjetiva, tarefa nem sempre fácil de executar.

Após o desencadeamento, nos parece seguro apostar, a paciente abriu uma psicose esquizofrênica. Lapsos de memória, problemas com o tempo e espaço, alucinações visuais e auditivas, delírios de perseguição, mas sem uma localização de gozo no Outro tão marcada. A hipótese de uma regressão tópica ao estádio de espelho, com franca desorganização do registro imaginário implicando aí todos os fenômenos do corpo morcelée, é bem visível. A questão diagnóstica é sempre um pouco tensa, mas o diagnóstico não é só segregação – até é também se ele vira um imperativo categórico apartado das coordenadas subjetivas do sujeito, mas, bem usado, organiza todo um campo de trabalho. Lembremos Miller em “Efeito de retorno”, nos advertindo que uma psicose ordinária é uma psicose e é nosso trabalho, sob transferência, relacioná-la à paranoia ou à esquizofrenia e também à melancolia.

Há indícios do buraco no simbólico desnudado após o desencadeamento, onde se desfez a parceria que lhe servia de suporte imaginário, realizando, assim, a posição de objeto expulsado do campo do Outro. Ela, como objeto dejeto, sem nenhuma fantasia que pudesse regular a relação do sujeito com o objeto.

Junto com a analista, com a eleição de objetos fora do corpo, foram criando alguma suplência à fragmentação do corpo.

 

A psicose ordinária no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS

Rafael Morganti      

O objetivo deste pequeno texto, que irei chamar de convite, tem como proposta principal convidar para uma problematização sobre a psicose ordinária nos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS. Alguns apontamentos que farei mais adiante não são produtos somente das minhas reflexões. Algumas ideias foram construídas nos encontros do Núcleo de Saúde mental e psicose.

Inicialmente é necessário analisar a que pé anda a conversa sobre psicose ordinária nos CAPS. No momento, me sinto seguro em afirmar que essa conversa não está nos CAPS. Pelo menos nos dois CAPS onde trabalho e nos espaços institucionais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que participo, isso inclui supervisão de território e alguns grupos de trabalho.

Atrelado a essa constatação, não devo me furtar de alguns apontamentos que não construí sozinho. O primeiro é uma análise bem rápida sobre a inserção dos psicanalistas na RAPS no atual momento. Podemos dividir essa análise em três momentos, no primeiro momento da reforma psiquiátrica não houve uma adesão dos psicanalistas, no segundo momento houve uma inserção importante dos psicanalistas na reforma psiquiátrica, me autorizando a afirmar que houve uma contribuição fundamental para os desdobramentos da reforma e atualmente há um esvaziamento significativo na RAPS. É importante frisar que não acredito que a psicanálise deva ser hegemônica na RAPS, mas pensar o debate da psicose ordinária na RAPS com a diminuição dos psicanalistas é algo que convida para entendermos a ausência da conversa sobre psicose ordinária na RAPS.

Com o intuito de trazer para este texto o que consigo observar no trabalho e que tem relação com o que estou me propondo a ofertar, trago algumas observações.

Não é raro em supervisão discutirmos casos que possuem uma maneira de funcionar e de estar na vida totalmente “esquisita”, mas sem a presença de sintomas clássicos da psicose. Vale ressaltar o quanto é recente a aproximação da saúde mental nas pessoas em situação de rua. Os setores que tradicionalmente estiveram e estão presentes são: Segurança pública, assistência social e as religiões.

Paralelo a isso, é comum esses usuários chegarem no serviço já na idade adulta. Me parece interessante trazer para esta conversa que é comum que o próprio paciente e próximos (familiares, amigos) coloque o que estou chamando de “esquisito” no balaio da droga, produzindo consequências de difícil manejo. Mas também, me parece importante olharmos sobre a maneira que essas pessoas elaboram suas questões e vivem as suas vidas – levando em consideração os anos sem acessar um serviço de saúde mental.

Como o debate da psicose ordinária não é um debate coletivo do serviço, com alguma frequência, esses usuários envolvidos em episódios de violência são rotulados com diversos tipos de julgamentos morais, como por exemplo: mal-caráter, maldoso, 171, má índole, vagabundo, fez por querer, cara de pau etc. É primordial afirmar que não são todos os usuários que me remetem a pensar sobre psicose ordinária que se envolvem em episódios de violência.

Entretanto, não há tratamento para julgamento moral. Todavia, o usuário retorna para o CAPS. O que fazer? Como fazer? Como garantir tratamento para este paciente que passa ao ato com certa frequência dentro e fora do serviço e que é julgado moralmente por alguns técnicos? Um jogo de xadrez se estabelece a partir daí.

 Não irei responder essas questões que trago. Opto por deixar como parte do convite que estou fazendo neste pequeno texto e concluo com um pequeno relato de caso.

Relato de caso: Tubarão e a fome

Tubarão chega no serviço no final de uma manhã de supervisão. Muito agressivo e hostil, dirigi insultos à instituição e ao porteiro do CAPS. Dizia: “Estou com fome por causa do CAPS, estou na rua cheirando e sem comer há quatro dias por causa do CAPS e esse porteiro que não deixou eu entrar”, entre outros muitos insultos, inclusive de cunho racista. Pontuo para Tubarão que não era culpa do CAPS, muito menos do porteiro, digo que estava sem comer há quatro dias porque está mal. Não conseguindo parar sequer para comer. Concluo dizendo que teve acesso à comida nesses quatro dias, mas por estar mal, não conseguiu sequer parar para comer. Tubarão cessa os insultos e consegue dizer sobre sua atual situação.

* Esse escrito teve como pano de fundo a roda de conversa promovida pelo Núcleo de Psicose e Saúde Mental no dia 18 de março de 2017 na EBP-Rio sob a coordenação de Paula Borsoi e de Vicente Gaglianone. 

 

PSICOSE E SAÚDE MENTAL

Coordenação: Vicente Machado

Co-coordenação: Paula Borsoi

Periodicidade e horário: segundas e quartas terças-feiras de cada mês, às 19h30

Início: 14 de março

O ano de 2017 será especialmente importante para o Núcleo, visto que ele precede nosso Congresso Mundial em Barcelona, em abril de 2018, cujo título gira em torno da psicose ordinária. Daremos sequência à linha de pesquisa já iniciada em 2016, centrada sobretudo nas Conversações francofônicas de Angers, Arcachon e Antíbes, onde nasceu o conceito da psicose ordinária.

No dia 10 de março haverá uma roda de conversa, “As psicoses na saúde pública”, na qual discutiremos os efeitos do “conceito” da psicose ordinária nos serviços públicos, com convidados trabalhadores da Saúde Mental, que nos servirá de norte para a construção de um evento com data prevista para junho, cujo tema será: “Fundamentos da clínica das psicoses: nos 20 anos da Conversação de Arcachon”.

Iniciaremos também um ciclo de conversações virtuais com o Instituto de Santa Catarina, no dia 18 de março.

Bibliografia básica:

Los inclasificables de la clínica psicoanalítica – Jacques-Alain Miller y otros, Paidós.

La psicosis ordinária – Jacques-Alain Miller y otros, Paidós.

Breve ponto discutido em 22/03/2016

No primeiro encontro do Núcleo de Psicose e Saúde Mental iniciamos a discussão do texto “De la sorpresa al enigma”, encontrado na conferência de Miller na abertura do Conciliábulo de Angers, 1997, publicado em Los inclassificables de la clinica psicoanalítica. Miller destaca a diferença entre assombro e surpresa na clínica da neurose e da psicose.

Todos somos traumatizados pelo real da língua, o sintoma surge dessa marca. A língua é uma costura de fragmentos de linguagem que impactaram e marcaram o corpo do sujeito. O assombro estaria mais do lado do sentido e a surpresa algo mais do real.

Em uma análise, o impacto da fala do analisante causa efeitos, algumas vezes, efeitos de surpresa. Na neurose o recalque é o start da repetição, o que implica o retorno do recalcado constituindo-se como motor daquilo que poderá ser tomado como surpresa. Mas, e na psicose, como pensar a surpresa diante do fato da forclusão? Precisamos ir além dos termos e conceitos freudianos, nos forçando a buscar uma resposta pela via topológica, perceber onde se deu o rompimento dos registros, para, em parceria com o sujeito psicótico, construir isso que não se revela, mas que se constata.

Aquilo que se enuncia, que irrompe a partir da surpresa é algo do real, é um índice da opacidade do gozo, uma emergência do gozo, de lalíngua, da letra, de um acontecimento de corpo e “isso” se configura como uma peça solta que não cabe na subjetividade. A análise é uma tentativa de fazer caber “isso” na subjetividade. O dispositivo do passe nos transmite um savoir y faire com esse “fazer caber”, como algo mais do lado de uma pura diferença e do singular e menos do laço social.

Enlaçando o texto com o tema do Congresso AMP 2016, “O inconsciente e o corpo falante”, segundo o próprio Miller em seu texto-argumento, quando falamos de sinthoma dizemos sobre o falasser. Miller situa a coincidência entre escabelo e sinthoma a partir do passe e da obra de Joyce. O sinthoma como sintoma do falasser está ligado ao seu corpo e exclui o sentido. Em nossa discussão pudemos extrair que o efeito de surpresa faz ressonância com o corpo falante como efeito de poesia no corpo. Para o próximo encontro do núcleo ficou a proposta de avançarmos a partir da conferência de fechamento de Angers: o vazio e a certeza.

Francisca Menta

Programa de 2016.1

Coordenação: Vicente Machado Gaglianone (vmgaglia@yahoo.com.br)
Co-coordenação: Paula Borsoi (borsoi.paula@gmail.com)
Horário: segundas e quartas terças-feiras do mês, às 19h30
Início: 8 de março de 2016

“Da surpresa ao enigma na clínica das psicoses”

Por: Vicente Machado Gaglianone

Em 2016 faz vinte anos da famosa tríade de conversações do Campo freudiano – o Conciliábulo de Angers, 1996, a Conversação de Arcachon, 1997, e por fim, a Convenção de Antibes, 1998.  Encontros importantes de nossa comunidade, que guardam um marco simbólico fundamental e decisivo para a clínica das psicoses. A série acabou sendo coroada com o significante “Os casos inclassificáveis da clínica psicanalítica”.

Nesse contexto, havia uma urgência em “saber dizer” (para fazer eco com a provocação de Miller para nosso próximo congresso mundial em abril de 2016, aqui no Rio de Janeiro) do novo na clínica das psicoses, o qual era exigido pelo desdobramento do ensino de Lacan. A primeira clínica que era assentada nos conceitos de inconsciente estruturado como uma linguagem como resposta ao complexo paterno do mito edípico passaria a ser suplantada pela segunda clínica, mais além do Édipo e do Nome do Pai, que responderia a foraclusão generalizada: uma clínica universal do delírio. Essa nova clínica suscitava necessariamente uma passagem da classificação dos universais da estrutura ao singular do sintoma, por isso “Os inclassificáveis” teria ganhado força agalmática nessa conjuntura.

Na conferência de abertura de Angers, proferida por Miller sob o título “Da surpresa ao enigma”, vai nos dizer que cabe a nós analistas colocarmo-nos ativamente como surpreendidos, e que será com o apoio da surpresa, para além das regularidades da verificação dos universais, que avançaríamos na nova clínica. Daí a formulação da contundente proposição “a decepção é a resposta merecida quando se convoca a surpresa”[1] A fim de bem situar o caráter de tal decepção, Miller propõe diferenciar a surpresa do assombro. Do lado deste insere o estado de ânimo que é a virtude do filósofo e do poeta, estado que possui durabilidade. Do lado da surpresa a descontinuidade e a contingência. À posição de surpreendidos deveria ser acrescida a de surpreendentes, por ser outra posição sine qua non ao analista no ofício da interpretação. “É preciso surpreender algo cuja incidência original foi marcada como traumatismo”, cita de Lacan tão trabalhada por Éric Laurent em “O Trauma ao avesso”. Surpreendido, surpreendente e por fim surpreendedor – o analista alinhado àquele que surpreende o real.

Mas se o real é in-surpreendível por retornar sempre no mesmo lugar, como fazê-lo? Miller responde que é para o sujeito em seu automaton que esse retorno se confunde com seu destino, e que é preciso então, pela via da contingência propiciada numa análise, que esse destino seja surpreendido.

Mas, ao psicótico caberia a relação com a surpresa? Se for o recalque o start da repetição, onde localizar a surpresa na psicose?

Será nesse ponto de impasse que Miller retomará ao fim da conversação os desdobramentos dessa pergunta, com outra conferência intitulada “Vazio e certeza”, e que será matéria de um novo informe de nossa pesquisa.

Nosso trabalho no núcleo nesse primeiro semestre constará de 6 encontros, nos dias 22 de março, 12 de abril, 10 e 24 de maio e 14 e 28 de junho.

22 março- leitura da conferência “Da surpresa ao enigma”.

Em: Los inclasificables de la clínica psicoanalítica. Jacques-Alain Miller y otros, Paidós.

12 abril– leitura da conferência “Vazio e certeza”.

Em: Los inclasificables de la clínica psicoanalítica. Jacques-Alain Miller y otros, Paidós.

10 maio– leitura do caso clínico de Philippe De Georges “Paradigma de desencadeamento”

Em: Los inclasificables de la clínica psicoanalítica. Jacques-Alain Miller y otros, Paidós.

24 maio– Conferência de um colega ainda a confirmar: “Da “Instância da letra” à “Questão preliminar”- avanços no ensino de Lacan na clínica das psicoses.”

Leitura prévia: “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”, Lacan, Escritos, e “De uma questão Preliminar a todo tratamento possível da psicose”, Lacan, Escritos.

14 junho- Discussão de caso clínico para conversação virtual com Núcleo de Minas.

28 junho– Conversação virtual com Núcleo de Minas.


[1] Miller, J-A y otros. Los Inclasificables de la clínica psicoanalítica. Editora: Paidós, Buenos Aires, 2008, p18.

Programa de 2016.1

Coordenação: Vicente Machado Gaglianone (vmgaglia@yahoo.com.br)
Co-coordenação: Paula Borsoi (borsoi.paula@gmail.com)
Horário: segundas e quartas terças-feiras do mês, às 19h30
Início: 8 de março de 2016

Como no ano passado, continuaremos nossa pesquisa com o foco nas coordenadas possíveis que o sujeito psicótico encontra para “fazer-se” um corpo. Sublinhamos o fato de que Lacan a partir do “Estádio do espelho” nos ensina que o imaginário é menos a imaginarização dos “Contos de Fadas” e mais o que há de real no jogo especular. O que há de real no jogo especular é aquilo que, para todos, não se unifica com o apoio da imagem e, para os sujeitos psicóticos, que não dispõem da veste e do semblante a velar esse despedaçamento originário, fica aber-ta a via de devastação que o gozo mortífero impõe.

Verificar as modalidades de invenções que esses sujeitos dispõem para fazer suplência à foraclusão do Nome-do-pai, e o que isso nos ensina na clínica do falasser, será nossa tarefa para 2016.

Continuaremos com nossa metodologia de pesquisa que alterna en-contros teóricos com clínicos, e conversações virtuais com o Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais.

A bibiografia será divulgada posteriormente.

Notícias da 4ª Conversação Virtual dos Núcleos de psicose e Saúde Mental do Rio e de Minas

Na 4ª Conversação Virtual realizada pelos Núcleos de psicose e Saúde Mental do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, foi comentado pelo Núcleo do Rio um caso apresentado pelo colega de Minas Frederico Feu. Um fragmento clínico de uma paciente atendida por ele em um dispositivo da saúde pública.

Frederico Feu fala sobre o silêncio do analista nas sessões. Algo que pode dar ao corpo um tratamento sem palavras. Produzir escansões para desconstruir a pregnância do Outro. O silêncio apoia a estrutura e por outro lado, a interpretação desconstrói a consistência do Outro.

                                                                                                                                         Leonardo Miranda

* Todas as menções aos casos clínicos apresentados na Jornada foram retirados em nome do sigilo dos pacientes.

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